SUBTOMO II DO TOMO I VOLUME I

SUBTOMO II DO TOMO I VOLUME I
ESSE SITE REPRESENTA A AMPLITUDE DE DISCUSSÕES DO LIVRO PUBLICADO PELO PROFESSOR CÉSAR AUGUSTO VENÂNCIO DA SILVA

sábado, 6 de setembro de 2014

MODELO DE PETIÇÃO EM AÇÃO CIVIL PÚBLICA EM DEFESA DA SAÚDE COLETIVA.

EXCELENTÍSSIMO SENHOR DOUTOR JUIZ DE DIREITO DA _____VARA DA FAZENDA PÚBLICA DO FORO CENTRAL DA REGIÃO METROPOLITANA DE CURITIBA-PR O MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO PARANÁ, representando interesses indisponíveis da sociedade, por seus agentes ao final subscritos, designados para atuar junto à Promotoria de Justiça de Proteção à Saúde Pública de Curitiba, situada na Avenida Marechal Floriano Peixoto, n.º 1251, Rebouças, CEP 80230-110, onde podem ser pessoalmente intimados, usando das atribuições que lhes são conferidas pelos artigos 127, caput e 129, inciso III, da Constituição da República e também amparado pelo art. 120, III, da Constituição do Estado do Paraná e fundamentado no artigo 25, inciso IV, alínea “a”, da Lei Federal n.º 8.625, de 12-2-1993, em combinação com os artigos 57, IV, alínea “b”, da Lei Complementar Estadual n.º 85, de 27-12-1999; 3º, 5º, 11, 12 e 19, todos da Lei Federal n.º 7.347, de 24-7-1985, e 273 e 461, caput e parágrafos 3º e 4º, do Código de Processo Civil Brasileiro e demais disposições pertinentes, bem como no Procedimento Administrativo Ministerial n.º 184/05, em anexo, vêm, respeitosamente, à presença de Vossa Excelência, propor a presente AÇÃO CIVIL PÚBLICA, COM PEDIDO DE ANTECIPAÇÃO DE TUTELA contra o ESTADO DO PARANÁ, pessoa jurídica de direito público interno ora representado pelo Excelentíssimo Procurador-Geral do Estado, doutor Sérgio Botto de Lacerda, com endereço na rua Conselheiro Laurindo, n.º 561, CEP 80.060-100, Centro, Curitiba-PR, pelos motivos de fato e de direito que, a seguir, deduz. I. DOS FATOS O procedimento administrativo em anexo foi instaurado a partir da veiculação de reportagens em jornais que, em síntese, noticiaram a crônica e persistente falta de vagas de Unidades de Terapia Intensiva-UTIs no Paraná, a tal ponto que essa ausência funcionou de mola propulsora para a constatação de diversas mortes de pacientes, enquanto ainda se encontravam na “fila de espera” da Central de Regulação do Paraná, aguardando a disponibilização do leito a que faziam jus. À vista da gravidade dessas notícias e com o propósito de adequadamente instruir o feito, expediu-se ofício ao senhor Secretário de Estado da Saúde, solicitando-lhe o encaminhamento de cópia integral do denominado “Relatório de óbitos sem Reserva de UTI”, mencionado nos aludidos textos jornalísticos, a fim de alcançar conhecimento quanto à real dimensão do problema (fl. 08). Ainda com a mesma intenção, buscou-se obter junto à Divisão de Convênios e Gestão do Núcleo Estadual do Ministério da Saúde, informações completas sobre a falta de vagas em UTIs neste Estado, principalmente a respeito de seu dimensionamento numérico, localização e causas (fl. 14). Antes mesmo da Secretaria de Estado da Saúde manifestar-se, o Departamento de Atenção Especializada do Ministério da Saúde apresentou parecer a respeito (fl. 22), esclarecendo que em razão do estabelecido na Portaria/GM nº 1.101, de 12 de junho de 2002, a cobertura assistencial do Estado do Paraná para leitos de UTI- SUS mostra-se deficitária, visto que aquém do mínimo de 4% (quatro por cento) do número de leitos hospitalares. À vista dessa informação, questionou-se referido Departamento sobre a localização (Municípios ou regiões do Estado) onde o déficit apresenta-se visível, além de informações sobre os possíveis motivos originários da defasagem (fl. 31). Na seqüência, após várias cobranças de resposta (fls. 17, 27 e 32), o senhor Secretário de Estado da Saúde, contrariando o afirmado nas reportagens jornalísticas, asseverou ser inexistente o citado “relatório de óbitos sem reserva de UTI”, acrescentando que a estatística sobre o número de mortes que dispõe deriva de um documento denominado “Registro quantitativo gerado pelas CLICs do Estado do Paraná, decorrentes de solicitações para leitos de UTI no período de 1º de outubro de 2004 a 19 de outubro de 2005”, o qual destaca, na verdade, o número de solicitações de leitos gerais e de UTIs feitas pelos hospitais e serviços de saúde públicos e/ou credenciados ao SUS, além do desfecho dessas solicitações, culminando por afirmar que para sua correta decodificação há a necessidade de submetê-lo à análise técnica e gerencial. Reconheceu a referida Secretaria, no entanto, através dos esclarecimentos apresentados que, “segundo os registros, no Estado do Paraná, até o ano 2000, o número de leitos UTI credenciados junto ao SUS, no Ministério da Saúde, era de 782, chegando em 2003 com o mesmo quantitativo”; ou seja, confessa não ter havido nenhuma variação no número de leitos de UTI nesse período de três anos, gerando como resultado um acúmulo de demanda reprimida” (fl. 35), bem como que, apesar de credenciados - de julho de 2003 a novembro de 2005 -, 189 leitos novos de UTI e reclassificados novos 230 leitos (fl. 35), “mesmo assim ainda acontecem casos de pacientes que permanecem no aguardo de um leito de UTI por mais de seis horas, o que demonstra, entre outras conclusões, que o sistema de saúde do Estado está em seu limite em termos de capacidade instalada, bem como de recursos humanos especializados para ao atendimento em leitos de cuidados intensivos” (grifo nosso - fl. 36). O relatório citado pelas reportagens foi anexado aos autos (fls. 37/160). Diante da preocupação de restar integralmente conhecida a questão relacionada ao déficit de leitos de UTI neste Estado, após provocação da Promotoria de Justiça de Proteção à Saúde Pública de Curitiba, o Departamento de Atenção Especializada do Ministério da Saúde (fls. 165/166), atribui ao Estado a incumbência de detectar o déficit de leitos de UTI, baseado em “indicadores preconizados na Portaria nº 1101/02”, bem como a localização e causa das defasagens de leitos de UTI, uma vez que ao Ministério da Saúde apenas caberia a análise dos pedidos de cadastramento de leitos encaminhados, salientando que para o credenciamento torna-se necessário que o Gestor do SUS competente (Municipal ou Estadual) defina, de acordo com a carência existente, a possibilidade de habilitação de novos leitos de UTI, “com garantia de existência de teto financeiro para o custeio dos respectivos leitos”. Além disso, o processo deve ser devidamente instruído com a documentação exigida pela Portaria/GM nº 3432/98, relatório de vistoria e parecer conclusivo do Secretário de Saúde Estadual quando, então, o processo pode ser encaminhado à apreciação do “Ministério da Saúde/ Secretaria de Atenção à Saúde/ Departamento de Atenção Especializada/ Coordenação Geral de Atenção Hospitalar, para análise técnica”. A sistemática de credenciamento é também ressaltada pelo documento de fls. 171, de onde se infere ainda que o “Ministério da Saúde tem sido sensível às solicitações da Secretaria de Estado da Saúde do Paraná, tendo já credenciado 834 leitos, disponibilizados para o estado por meio da Política Nacional de Terapia Intensiva”, cabendo “aos gestores estaduais e municipais estarem observando a necessidade de cada município de acordo com a população (PT nº 1101 de 12/06/2002) e PDR para solicitação de credenciamento de leitos de UTI, reforçando que já existe solicitação de 54 leitos de UTI” perante o Ministério da Saúde. Porém, tais providências ainda demonstram ser insuficientes ao mundo da vida, visto que amparado em critérios populacionais, o Departamento Nacional de Auditoria do SUS-DENASUS demonstra, no Parecer Técnico nº 18/2006 (fls. 178/180) e Planilha (fl. 180) que, seguindo os critérios expostos na Portaria nº 1.101/02 do Ministério da Saúde, o número de leitos de UTI deve ser calculado de acordo com o índice de 4 a 10% do total de leitos hospitalares existentes, sendo que sobre o resultado ainda deve incidir o parâmetro de 2,5 a 3 leitos para cada 1.000 habitantes, o que acaba gerando déficit muito maior do que aquele apontado pela Secretaria de Atenção à Saúde, do Ministério da Saúde (fl. 22). Após cobrança a ofício anterior não respondido, a Secretaria Estadual de Saúde procurou transmitir a imagem (falsa) de que há no Paraná mais leitos UTI do que o necessário, destacando que por esse motivo a Secretaria de Atenção à Saúde do Ministério da Saúde somente se “propõe a realizar novos credenciamentos de leitos de UTI nos casos em que o Gestor local assuma integralmente o impacto financeiro”. Além disso, segundo acrescentou, quando o paciente encontra-se em estado crítico, de risco, e não há leito de SUS disponível, vem autorizando a utilização de unidades não credenciadas, utilizando de recursos próprios do Estado para tanto (fl. 186). Importante destacar, desde logo, que não apresentou a Secretaria de Estado qualquer comprovação de que assim está agindo e nem mesmo o ato administrativo (Resolução, Portaria) que o autoriza a assim conduzir-se; ou seja, nada está a indicar que o Estado está efetivamente garantindo os atendimentos necessários em UTI, quando o Sistema se mostra indisponível. Trata-se, pois, de mera alegação. Ademais, se procedente a assertiva, não obstante o atendimento que se deva oferecer ao usuário, ainda assim, questionável preponderar esse proceder, posto que a aquisição de vagas de UTI junto ao sistema privado aumenta drasticamente os custos do SUS. Instruiu o expediente da Secretaria Estadual de Saúde, Lista de Leitos de UTI no Estado do Paraná (fls. 187/189). Em razão do processado, buscou-se novamente o apoio do Serviço Nacional de Auditoria do SUS no Paraná (fls. 194) que, após examinar os esclarecimentos do Estado, apresentou o Parecer Técnico nº 32 reforçando a existência da falta de leitos UTI no Estado, em todas as Regionais de Saúde. Segundo o documento, os elementos da Secretaria Estadual de Saúde referentes ao número de leitos UTI não correspondem àqueles constantes no Cadastro Nacional de Estabelecimentos de Saúde (CNES) e, utilizando-se os dados atualmente disponíveis no Ministério da Saúde, concluiu no sentido de que haveria o expressivo déficit global de 606 leitos UTI geral, 81 leitos UTI pediátrica e 31 leitos UTI neonatal. Na seqüência, partindo-se de números populacionais obtidos junto ao IBGE, bem como dos parâmetros exigidos pela Portaria nº 1.101/02, do Ministério da Saúde, para o número de leitos UTI no Estado, e das informações prestadas pela Secretaria Estadual de Saúde, o setor de auditagem médica do Centro de Apoio às Promotorias de Justiça de Proteção à Saúde Pública (fls.200/205) elaborou Parecer Técnico, o qual ponderou, em síntese, no item “d”, que a informação constante do item 5 do documento de fls. 194 mostra-se equivocada, pois a referida Portaria não faz referência que aos 4% dos leitos existentes “devam ser acrescidos os leitos de UTI infantil e nenonatal”. Explicitou também aludido Parecer que os leitos credenciados no Estado do Paraná devem estar desatualizados, uma vez que alguns dos hospitais ali citados não estão mais ativos, e que as planilhas foram confeccionadas com os dados apresentados nos autos, devendo ser estes confirmados quanto à quantidade de leitos credenciados, quais os estabelecimentos de saúde que ainda estão prestando serviços via SUS, além de esclarecimentos aos critérios utilizados para distribuir os leitos de UTI nas diversas regionais de saúde do Estado. Com o propósito de alcançar número mais próximo da realidade legal e social e considerando o anotado no Parecer Técnico de fls. 184, expediu-se ofício ao senhor Secretário de Estado da Saúde, solicitando-lhe o envio de informações documentadas sobre as questões ainda carentes de maiores esclarecimentos. Novamente, a resposta somente chegou ao Ministério Público depois de diversas providências[1] (fls. 238/240), claramente indicando não ter o Estado querer, vontade para resolver os problemas de saúde da sua população (pouco importando que a sua natureza, no caso, é literalmente vital), mais especificamente a situação daqueles que necessitam de atendimento de urgência em UTIs, em virtude do precário estado de saúde que estão a vivenciar. Assim afirma-se, em primeiro lugar, pois dificultou, enormemente, a correta apreciação do déficit de leitos de UTIs existente, na medida em que deixou e continua a deixar de registrar informações atuais a respeito no Cadastro Nacional dos Estabelecimentos de Saúde-CNES. Corroboram esse enunciado, o reconhecimento do próprio Réu ao asseverar possuir elementos “mais abrangentes que os dados constantes no CNES, bem como o fato de que o Ministério da Saúde, através do DENASUS (item3 – fl. 194), ter destacado que o Estado do Paraná não mantém atualizado os dados necessários junto ao Cadastro Nacional dos Estabelecimentos de Saúde-CNES, o que jamais poderia ocorrer, em especial em uma área tão crítica”. Em segundo lugar, tendo em vista que mesmo diante do fechamento de leitos em Hospitais (Erasmo de Roterdam, Nossa Senhora do Carmo, Nossa Senhora das Graças, Santa Casa Mons. Guilherme e Santa Casa Maria Antonieta), as medidas adotadas pelo Estado são flagrantemente tímidas para absorver a demanda de usuários e proporcionar o adequado remanejamento de unidades de terapia intensiva, vez que a defasagem é considerável e os pacientes constantemente vêem-se tolhidos do direito de, nas “situações de urgência/emergência”, usufruírem de pronto e “incondicional” atendimento, “em qualquer unidade do sistema”[2], até porque as conclusões que ganham relevo apontam no sentido de que o binômio necessidade dos pacientes em estado crítico ou de risco de vida/cobertura assistencial de UTIs no Estado mostra-se altamente desproporcional, estando aquela em grande descompasso quando comparada a esta. Em terceiro lugar, porque o critério utilizado para a distribuição de leitos credenciados e ativos – restrito aos locais onde há “hospitais de maior porte e que atendem procedimentos de maior complexidade” -, é capaz de gerar desequilíbrio e imperfeições, a tal ponto, por exemplo, de acarretar ao paciente a necessidade de vir a ser deslocado – quando isso é viabilizado -, para local distante de seu domicílio ou familiares. Por fim, em quarto lugar, consoante será melhor tratado quando expendermos considerações sobre a legitimidade passiva, não há como o Estado do Paraná eximir-se de suas responsabilidades, procurando atribuí-las na totalidade aos “Gestores Municipais”, já que seu dever de atuação, in casu, vincula-se ao disciplinado na normatização regradora dos parâmetros de atendimento e de proteção assistencial através de UTIs. Posteriormente, o setor de auditoria médica deste Órgão elaborou novo Parecer Técnico (fls. 258/260), explicitando a metodologia utilizado para a confecção de seu estudo e ponderando que, contrariamente ao afirmado pelo demandado, existe como ponto nodal déficit de leitos de UTIs e, secundariamente, ausência de constantes atualizações no Cadastro Nacional de Estabelecimentos de Saúde-CNES, vez que conquanto tenha havido “incremento de leitos (significativa no Hospital Nossa Senhora do Rocio em Campo Largo + 26 leitos), também houve perdas deixando o quadro praticamente inalterado. O déficit anterior constatado (286) é agora de 283 leitos.” Portanto, dos esclarecimentos apresentados e a partir da análise dos elementos constantes da planilha de fls. 259 - que tem como base para cálculo 3 leitos hospitalares para cada 1000 habitantes, com a reserva de 4% de leitos para UTI, consoante explicitado na Portaria nº 1101/GM, de 12 de junho de 2002 -, chegou-se a um entendimento de que o Réu dá causa a um déficit geral de 283 leitos de UTI, envolvendo UTIs gerais, UTIs neonatal e UTIs pediátricas. É em resumo o relatório do essencial. II. A SAÚDE COMO COROLÁRIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA A Constituição Federal proclama que a República Federativa do Brasil, enquanto Estado Democrático de Direito, tem como um de seus fundamentos a dignidade da pessoa humana. A expressão “dignidade da pessoa humana” - princípio jurídico essencial contido no artigo 1º, inciso III, da Carta Magna - já se encontrava inserta na Declaração Universal dos Direitos do Homem, de 1948, na qual se assevera que o reconhecimento da “dignidade inerente a todos os membros da família humana é o fundamento da liberdade, da justiça e da paz no mundo”. O art. 1° desse diploma internacional proclama: “Todos os homens nascem livres e iguais em dignidade e direitos. São dotados de razão e consciência e devem agir em relação uns aos outros com espírito de fraternidade”. Karl Larenz, instado a pronunciar-se sobre o personalismo ético da pessoa no direito privado, reconhece na dignidade pessoal a prerrogativa de todo ser humano em ser respeitado como pessoa, de não ser prejudicado em sua existência (a vida, o corpo e a saúde) e de fruir de um âmbito existencial próprio. Isso significa dizer, então, que a pessoa humana é um bem, e a dignidade, o seu valor. Mas o direito do século XXI não se contenta com conceitos axiológicos formais, que podem ser usados retoricamente para qualquer tese. Demanda, sim, o aprofundamento dos mesmos e especialmente, neste caso, da idéia que o princípio jurídico da dignidade contempla. Como o próprio nome revela, o aludido princípio fundamenta-se na essência da pessoa humana e esta, por sua vez, pressupõe, antes de mais nada, a presença de uma condição objetiva: a própria vida. Considerando-se cada indivíduo em si mesmo, tem-se que a vida é condição necessária da própria existência. Logo, a dignidade do ser humano impõe um primeiro dever básico, que é, justamente, o de reconhecer a intangibilidade da vida, e esse pressuposto configura-se como um preceito jurídico absoluto - um imperativo jurídico categórico - do qual decorre, logicamente e como conseqüência do respeito à vida, o fato da dignidade dar embasamento jurídico para se exigir o respeito à integridade física e psíquica (condições naturais) e aos meios mínimos para o exercício da própria vida (condições materiais). Como fundamento primeiro da República, o princípio jurídico da dignidade tem, portanto, a proteção e a defesa da vida humana como pressuposto, pois sem vida não há pessoa, e sem pessoa, não há que se falar em dignidade. Trata-se de preceito absoluto, que não comporta exceção e está, de resto, confirmado pelo caput do art. 5º da CF. Essa tese é reconhecida, acima de todas as outras, pelos nossos Tribunais, como se lê no seguinte pronunciamento do STF: “Entre proteger a inviolabilidade do direito à vida, que se qualifica como direito subjetivo inalienável assegurado pela própria Constituição da República (art. 5º, caput), ou fazer prevalecer, contra essa prerrogativa fundamental, um interesse financeiro e secundário do Estado, entendendo — uma vez configurado esse dilema — que razões de ordem ético-jurídica impõem ao julgador uma só e possível opção: o respeito indeclinável à vida.” (STF– Petição n.º 1246-1-SC - MIN. CELSO DE MELLO). Ora, se o direito à vida está intrinsecamente ligado à idéia de dignidade humana, como visto, tem-se que o seu corolário necessário - o direito à saúde – também está, uma vez que este (a saúde), na sua essência, cuida da preservação daquela (a vida). A saúde, concebida como o “estado completo de bem-estar físico, mental e social e não simplesmente como a ausência de doença ou enfermidade” (Organização Mundial de Saúde) é, pois, direito humano fundamental, oponível ao Estado nos termos do art. 196 da CF, que viabiliza a garantia da própria vida, pressuposto da dignidade da pessoa humana e, como tal, deve ser incansavelmente protegido e respeitado, sendo inadmissível qualquer conduta comissiva ou omissiva, especialmente da Administração Pública, tendente a ameaçá-lo ou frustrá-lo. III. O CABIMENTO DA PRESENTE AÇÃO CIVIL PÚBLICA E SUA CONJUNTURA Versa o presente feito, em síntese, sobre o descumprimento, por parte do Réu das regras existentes, relacionadas aos parâmetros de cobertura assistencial e de credenciamento editados pelo Ministério da Saúde, a tal ponto de inviabilizar o aperfeiçoamento da gestão do SUS, acarretando considerável déficit de leitos de UTI através do Sistema Único de Saúde no âmbito local e regional, gerando, pela omissão, gravíssimos prejuízos para a saúde da população paranaense, com óbitos de inúmeros usuários, impondo-se o devido adimplemento. Essa situação, se bem observada, amolda-se num quadro mais amplo e revelador de desmonte do Estado Social, em que predomina a eminente função de direcionar a sociedade rumo ao bem comum. Este, por sua vez, é concebido como o conjunto de metas a serem perseguidas pelas políticas públicas, as quais sintetizam os valores que a sociedade elege como os mais relevantes. Inegável, então, que o Estado Social consagra uma função dirigente, adredemente vinculada ao alcance dos objetivos fundamentais que a Constituição estabelece. A Carta Federal brasileira, de cunho indiscutivelmente social, discrimina os objetivos fundamentais da República Federativa, no seu art. 3º: “Art. 3º. Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil: I – construir uma sociedade livre, justa e solidária; II – garantir o desenvolvimento nacional; III – erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais; IV - promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação.” O disposto no assinalado inciso IV, de certo modo, bem resume o sentido global da norma transcrita e permite afirmar que o Estado Social é, fundamentalmente, um promotor do bem-estar coletivo. Sua legitimidade não se esgota, nessa perspectiva, na edição de leis voltadas à mera manutenção da ordem pública neutra, sem conteúdo direcional, mas, ao contrário, consiste na promoção do bem comum mediante o desempenho efetivo de atividades programadas nos mais diversos setores. Para o sucesso desse mister, deve o Estado do Paraná, por meio de sua Secretaria de Estado de Saúde, atentar que a saúde de sua população merece ser considerada e tratada de forma a promovê-la e protegê-la, garantindo atenção qualificada e contínua, com o máximo de efetividade, diante da natureza essencial e indisponível desse bem (saúde), sendo que disso o Gestor não pode fugir, inclusive porque lhe restou atribuído funções de gestão (obrigação de organizar a assistência à saúde no espaço geográfico em que atua), prestação (a atividade que desenvolve é vista como de relevância pública, um plus que constantemente deve se atentar) e regulação (obrigação de organizar o fluxo dos usuários à rede de serviços componentes do SUS). Desse contexto, verifica-se que as adequações necessárias, com o intuito de que haja a implementação de leitos de UTI, com os recursos humanos e físicos estabelecidos para o correto funcionamento de Unidades de Tratamento Intensivo, bem como a alimentação contínua de informações sobre os locais e tipos de ações e serviços junto ao CNES[3], constituem deveres impostergáveis do Réu e, diante da verificação da existência de lesão ou ameaça de lesão à saúde dos muitos usuários do sistema que diariamente necessitam utilizar de assistência médica e de enfermagem ininterruptas neste Estado, pois são pacientes graves ou de alto risco¸ a ação civil pública - espécie de ação coletiva -, torna-se o remédio judicial cabível e adequado para solucionar o problema a que o Réu dá causa. A título de exemplo, ao examinar a possibilidade de utilização da ação civil pública para tutelar a saúde, Marlon Alberto Weichert assinala: “A ação civil pública é, por excelência, a ferramenta de promoção e defesa judicial, pelo Ministério Público, do direito à saúde. Em função da nota constitucional, seu uso deve ser admitido – sem a possibilidade de barreiras legais – para a defesa dos interesses coletivos e indisponíveis, de modo amplo.”[4] Assim, conclui-se, ser a ação civil pública o instrumento processual apto a corrigir ofensa a interesses indisponíveis decorrentes do inadequado e lacunoso abastecimento de dados junto ao CNES e da constatação de déficit de leitos de UTIs nas diversas áreas de abrangência das Regionais de Saúde do Paraná, em flagrante prejuízo dos pacientes que necessitam de tratamento intensivo, como ora se trata e, dessa forma, ao Ministério Público, enquanto representante da sociedade, convencido da existência de lesão daí decorrente, impõe-se provocar a função jurisdicional do Estado visando a efetiva defesa do interesse indiscutivelmente maculado. IV. A LEGITIMIDADE ATIVA DO MINISTÉRIO PÚBLICO A Constituição Federal ampliou o campo de atuação do Ministério Público, atribuindo-lhe, no art. 127, a incumbência da defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis. Em seu art. 129, relacionou as atribuições institucionais do Parquet, entre as quais: “Art. 129 - São funções institucionais do Ministério Público: I – (...) II - zelar pelo efetivo respeito dos Poderes Públicos e dos serviços de relevância pública aos direitos assegurados na Constituição, promovendo as medidas necessárias a sua garantia; (...) III – promover o inquérito civil público e a ação civil pública, para a proteção do patrimônio público e social, do meio ambiente e de outros interesses difusos e coletivos; (...)” O art. 120 da Constituição do Estado do Paraná, por sua vez, reproduz o acima enunciado nos incisos II e III, acrescendo ao rol de atividades do Ministério Público o contido no inciso XI: “Art. 120 - São funções institucionais do Ministério Público: (...) XI – receber petições, reclamações, representação ou queixas de qualquer pessoa por desrespeito aos direitos assegurados na Constituição Federal e nesta, promovendo as medidas necessárias à sua garantia; No mesmo sentido, tem-se a incumbência conferida ao Parquet pelo art. 57, V, da Lei Complementar n.º 85/99 (Lei Orgânica do Ministério Público do Paraná): “Além das funções previstas na Constituição Federal, na Lei Orgânica Nacional do Ministério Público, na Constituição Estadual e em outras leis, incumbe, ainda, ao Ministério Público: (...) V – promover a defesa dos direitos constitucionais do cidadão para a garantia do efetivo respeito pelos Poderes Públicos e pelos prestadores de serviços de relevância pública...;” É importantíssimo recordar que a Carta da República faz apenas uma única alusão expressa a serviços de relevância pública, e o faz no art. 197 que trata justamente das ações e serviços públicos de saúde. Portanto, a Constituição Federal não deixa qualquer dúvida a respeito da natureza jurídica da saúde, definindo-a expressamente como um serviço de relevância pública, distinguindo-a em face de qualquer outro. Em se tratando de saúde, tal objeto liga-se visceralmente à existência e sobrevivência humanas e é daí, precisamente, que exsurge para o Estado, o dever-poder de prestá-lo e garanti-lo, no interesse de cada um e da sociedade como um todo, que lhe atribui importância diferenciada. A análise semântica das palavras que compõem a expressão “relevância pública”, permite afirmar que relevância é a qualidade do que releva, ou seja, indica tudo “aquilo que se destaca em escala comparativa ou de valores; importância ou relevo”; e público, por sua vez, diz-se, entre outras coisas, do que é “relativo ou pertencente a um povo, a uma coletividade”. Logo, da simples combinação gramatical dos termos sob análise, pode-se concluir que relevância pública refere-se, grosso modo, a tudo o que uma determinada comunidade exalta como sendo algo de extremo significado, com elevado grau de importância e estima para o conjunto de seus membros. Albergando tal raciocínio no contexto constitucional, percebe-se que a Constituição Federal de 1988 contém inúmeros princípios jurídicos (implícitos e explícitos) que, sob a perspectiva que aqui interessa, nada mais representam do que a juridicização dos valores considerados mais meritórios pela síntese da vontade nacional, expressa na própria Carta Federal, e que reclamam especial atenção e proteção do Estado, com o intuito de possibilitar a conquista dos objetivos traçados para a República Federativa do Brasil (art. 3°, CF). Antonio Augusto Mello de CAMARGO FERRAZ e Antonio Herman de Vasconcelos e BENJAMIN, no artigo intitulado “O conceito de `relevância pública' na Constituição Federal” (In: Série Direito e Saúde/OPAS/OMS. N. 1, Brasília: OPAS, 1992. P. 29-39) apresentam uma síntese ponderável acerca do significado da expressão “relevância pública”, inserta na CF: “... pensamos que seja possível desde logo estabelecer que a expressão “relevância pública” nos arts. 129, II e 197 da Constituição Federal está a significar: a qualidade de “função pública”, como verdadeiro dever-poder, que regra a garantia da saúde pelo Estado; a natureza jurídica de direito público subjetivo da saúde, criando uma série de interesses na sua realização – públicos, difusos, coletivos e individuais homogêneos; o limite da indisponibilidade, tanto pelo prisma do Estado como do próprio indivíduo, do direito à saúde; a idéia de que, em sede do art. 197, o interesse primário do Estado corresponde à garantia plena do direito à saúde e as suas ações e serviços, sempre secundários, só serão legítimas quando imbuídas de tal espírito; o traço de essencialidade que marca as ações e serviços de saúde.” (sem grifo no original). Vê-se, então, que o fato das ações e serviços de saúde terem sido explicitamente qualificados como de relevância pública na Constituição Federal, não deixa espaço para qualquer discussão acerca de sua essencialidade e, da mesma forma, impõe ao Estado que atue diligentemente na prestação de tais atividades, a fim de que sejam aptas, em quantidade e qualidade aos que delas necessitarem. A par de tudo isso, confirma-se a necessidade de fortalecimento de todas as instâncias de controle das práticas sanitárias, ressaltando, neste ponto, o papel constitucionalmente atribuído ao Ministério Público que tem o dever, dentre outras coisas, de zelar pelo respeito aos serviços de relevância pública. Frise-se, portanto, que o conceito de relevância pública, quando aplicado às ações e serviços de saúde, implica necessariamente no correspondente poder de controle, a ser exercido tanto pelo Estado como também pela coletividade, e principalmente por esta, a fim de prezar pela sua efetiva prestação. Assim, da leitura da Constituição Federal - e também da Estadual, entre outros dispositivos existentes - infere-se que a missão institucional do Ministério Público está hoje ontologicamente relacionada à defesa da sociedade, na luta pela manutenção do Estado de Direito e pelo respeito à cidadania. Esse papel constitucional deve ser exercido inclusive, e se for o caso, em oposição a agentes do próprio Estado. O contexto apresentado permite evidenciar, portanto, que o Ministério Público, de modo genérico, é o responsável em promover todas as medidas ao seu alcance para a restauração do respeito do poder público aos direitos e interesses constitucionalmente assegurados, de forma que clara é sua legitimidade postulatória nos casos em que o Réu figura como patrocinador de lesão a interesse coletivo (gênero) e/ou direito individual indisponível, o que faz por meio do remédio jurídico que se apresente como mais adequado para o caso, dada a redação aberta da norma inserta no artigo 127 da Carta Federal. Constata-se, na espécie, e a seguir será melhor demonstrado, que o Estado do Paraná vem, de forma reiterada, violando diretamente o preceituado nos artigos 196 e 198, II, da Constituição Federal; e nos artigos 167 e 168 da Constituição Estadual, Portarias do Ministério da Saúde nº 1.101, de 12 de junho de 2002 e 3.432, de 12 de agosto de 1998 (que regulamentam a cobertura assistencial de UTIs e o processo de cadastramento de leitos UTI no país) e Portaria nº 511 de 29 de dezembro de 2000 (instituidora do Cadastro Nacional dos Estabelecimentos de Saúde). Mencionada pessoa jurídica de direito público tem ignorado diversos mandamentos, todos concernentes à necessidade de tornar rotineiramente os dados perante o CNES e implantar novos leitos UTI em todas as Regionais de Saúde do Estado, adequando a cobertura assistencial à atual realidade, sob pena de continuar gerando prejuízos à saúde de vários cidadãos, conforme se depreende dos noticiários diariamente apresentados pelos veículos de comunicação. O que a presente demanda busca proteger é, portanto, em última análise, o direito constitucionalmente assegurado à vida/saúde da população que tem, sem qualquer sombra de dúvida, caráter difuso, dada a sua natureza de indisponibilidade e o número indeterminável de seus titulares, partindo-se de uma visão bem simplificada desse interesse. Assim sendo, é clara a legitimidade do Ministério Público para o desencadeamento da presente ação. V. DA LEGITIMIDADE PASSIVA DO ESTADO DO PARANÁ Dos fatos apontados, observa-se que o Réu vem adotando postura omissiva diante da falta de constante alimentação de dados junto ao CNES e da comprovação de considerável déficit de leitos de UTI, o que tem gerado resultados lesivos à saúde/vida das pessoas, além de nexo de causalidade entre essa omissão e os prejuízos alcançados.[5] Assim inquestionável que o Estado do Paraná possa ser considerado legitimado passivo, posto que através da Secretaria de Estado da Saúde, possui a obrigação de atuar de forma a garantir atendimento integral e resolutivo aos pacientes em estado grave ou de risco que, diante dessas circunstâncias, necessitem de assistência profissional especializada ininterrupta, com equipamentos específicos, sob pena de colocar ainda mais em risco o direito à vida e à saúde dos usuários do SUS, já que não foram estes os causadores da situação prejudicial atualmente em vigor e são os que diretamente sofrem com a realidade existente. Melhor explicando, observa-se que as iniciativas de saúde não podem contar com estrutura restrita ao Município individualmente considerado, já que existem aqueles que não possuem em seus territórios condições de ofertar ações e serviços de saúde compreendidos como de alta[6] e de média[7] complexidade; razão pela qual a elaboração e execução de consensos e estratégias regionais mostram-se de rigor, no intuito de restar assegurada aos usuários do SUS a possibilidade de terem acesso às ações e serviços, independentemente da complexidade requerida à sua implementação, incluindo aí a organização de fluxos de encaminhamento (referência) e de retorno dos pacientes ao local de origem, com informações sobre o atendimento realizado (contra-referência). O respeito a essas premissas possibilita a instituição de rede de petição e compromisso resolutiva, com mecanismos mais ágeis de marcação de consultas especializadas e de solicitação de vagas para internações, de forma a evitar o desgaste do usuário e o custo financeiro desnecessário. Para tanto, o Estado assume papel primordial na garantia de acesso às ações e serviços de saúde cuja “complexidade e contingente populacional transcenda a escala local/municipal”, permitindo também o reordenamento das ações de promoção, prevenção, tratamento e reabilitação por meio de todos os níveis de complexidade do sistema, servindo, por fim, de meio potencializador para a organização loco-regionais, com otimização de recursos e racionalização de gastos. Afinal de contas, diante do déficit de leitos apurado, ninguém mais do que o Réu tem responsabilidade de atuar para que o suprimento da defasagem existente possa ocorrer nos diversos Municípios do Paraná, seguindo critérios adequados de distribuição de leitos de UTIs, a fim de fazer frente à atual demanda. O Ministério da Saúde, em mais de uma oportunidade (fls. 165/166 e 171/173), é claro ao expressar: “Para o credenciamento de novos leitos de UTI ou mesmo reclassificação dos existentes, sejam eles Adulto, Pediátrico ou Neonatal, deverá ser seguido o seguinte fluxo: - Consulta ao Gestor SUS, Municipal e/ou Estadual, sobre as normas vigentes, a necessidade de reclassificação/credenciamento de novos leitos de UTI e possibilidade de cadastramento do mesmo, com a garantia de existência de teto financeiro para custeio dos mesmos; - Formalização do Processo pela Secretaria Estadual de Saúde; - No processo deverá conter a documentação comprobatória exigida na PT/GM 3432/98, relatório de vistoria e parecer conclusivo do Secretário Estadual de Saúde; - Uma vez emitido parecer favorável, o processo deverá ser remetido pela Secretaria Estadual de Saúde, ao Ministério da Saúde/Secretaria de Atenção à Saúde/Departamento de Atenção Especializada/Coordenação Geral de Atenção Hospitalar, para análise. [...] Ao analisarmos os processos pendentes encontramos pedidos de reclassificação isoladas sem o efetivo aumento de leitos novos, objetivo da política proposta pelo Ministério da Saúde. [...] Cabe aos gestores estaduais e municipais estarem observando a necessidade de cada município de acordo com população (PT n° 1101, de 12/06/2002) e PDR para solicitação de credenciamento de leitos de UTI, reforçando que já existe solicitação de 54 leitos de UTI no MS, em que suas pendências, já foram comunicadas por meio de ofício ao gestor estadual, podendo ser resolvidas para um possível credenciamento.” Como se não bastasse, talvez com o intuito de prejudicar a adequada análise sobre as ações e serviços realizados via UTIs neste Estado, o Réu não promove o cadastramento regular de dados junto ao Cadastro Nacional de Estabelecimentos de Saúde – CNES, o que também serve para impedir que os interessados controlem e avaliem a assistência ambulatorial e hospitalar no Paraná, sobretudo quanto ao universo de estabelecimentos de saúde em atividade e quais as tarefas que efetivamente prestam. A obrigação de alimentar o CNES corretamente também está nas obrigações do Estado, até porque se trata de medida imprescindível a um gerenciamento eficaz e eficiente da saúde pública, pois favorece ao Gestor o conhecimento da realidade da rede assistencial existente e suas potencialidades, visando a auxiliar no planejamento em saúde, bem como dar maior visibilidade ao controle social a ser exercido pela população. A isso merece ser somado o fato de que com o advento da Norma Operacional da Assistência à Saúde – NOAS 01/02, tornou-se possível inferir: “[...] 24. O gestor estadual é responsável pela gestão da política de alta complexidade/custo no âmbito do estado, mantendo vinculação com a política nacional, sendo consideradas intransferíveis as funções de definição de prioridades assistenciais e programação da alta complexidade, incluindo: [...] b - a definição de prioridades de investimentos para garantir o acesso da população a serviços de boa qualidade, o que pode, dependendo das características do estado, requerer desconcentração ou concentração para a otimização da oferta de serviços, tendo em vista a melhor utilização dos recursos disponíveis, a garantia de economia de escala e melhor qualidade; [...] c - a delimitação da área de abrangência dos serviços de alta complexidade; d - a coordenação do processo de garantia de acesso para a população de referência entre municípios; e - a definição de limites financeiros municipais para a alta complexidade, com explicitação da parcela correspondente ao atendimento da população do município onde está localizado o serviço e da parcela correspondente às referências de outros municípios; f - a coordenação dos processos de remanejamentos necessários na programação da alta complexidade, inclusive com mudanças nos limites financeiros municipais; g - os processos de vistoria para inclusão de novos serviços no que lhe couber, em conformidade com as normas de cadastramento do MS; h - a coordenação da implementação de mecanismos de regulação da assistência em alta complexidade (centrais de regulação, implementação de protocolos clínicos, entre outros); i - o controle e a avaliação do sistema, quanto à sua resolubilidade e acessibilidade; j - a otimização da oferta de serviços, tendo em vista a otimização dos recursos disponíveis, a garantia de economia de escala e melhor qualidade. 24.1 A regulação da referência intermunicipal de alta complexidade será sempre efetuada pelo gestor estadual. 57. São atributos da condição de gestão avançada do sistema estadual: Responsabilidades [...] f) Gestão dos sistemas municipais nos municípios não habilitados em nenhuma das condições de gestão vigentes no SUS. [...] i) Normalização complementar de mecanismos e instrumentos de administração da oferta e controle da prestação de serviços ambulatoriais, hospitalares, de alto custo, do tratamento fora do domicílio e dos medicamentos e insumos especiais. j) Manutenção do cadastro atualizado de unidades assistenciais sob sua gestão, segundo normas do MS, e coordenação do cadastro estadual de prestadores. l) Cooperação técnica e financeira com o conjunto de municípios, objetivando a consolidação do processo de descentralização, a organização da rede regionalizada e hierarquizada de serviços, a realização de ações de epidemiologia, de controle de doenças, de vigilância sanitária, assim como o pleno exercício das funções gestoras de planejamento, controle, avaliação e auditoria.” Em razão disso, cabe ao Estado a tarefa de, dentre outras situações, definir os limites financeiros municipais para a alta complexidade, com explicitação da parcela correspondente ao atendimento da população do município onde está localizado o serviço e da parcela correspondente às referências de outros municípios, bem como o repasse, respeitando-se as regras de direito público, de equipamentos e recursos, não havendo, portanto, razão plausível capaz de inviabilizar a sua presença como legitimado passivo. Noutros termos, no caso de Unidades de Terapia Intensiva, em especial, de acordo com a Portaria nº 3.432, de 12 de agosto de 1998, inegável está que o Estado do Paraná, quando precisa requerer a instalação de novos leitos UTI nos Municípios (aqueles ainda sob a égide da “Gestão Plena da Atenção Básica, ainda que na forma ampliada”), ou intervém na instalação dos leitos UTI nos municípios em “gestão plena”, também tem suas responsabilidades como gestor do SUS. Isso porque, segundo a mesma Portaria, deve formalizar o processo de credenciamento de leitos, analisar a documentação comprobatória exigida na Portaria GM/MS 3.432/98, emitir parecer conclusivo, verificar a existência de teto financeiro para o custeio dos respectivos leitos, encaminhando-o, na seqüência, ao Ministério da Saúde para análise técnica. Ainda quanto à identificação da legitimidade passiva, importante asseverar a incidência de solidariedade passiva, visto que o Estado – e quando for o caso o Município e a União -, responde solidariamente pela integralidade das ações e serviços de saúde devidos à população.[8] Ao conceituar obrigações solidárias, Álvaro Villaça Azevedo, assinalou que: “Nesta classe de obrigações, concorrem vários credores, vários devedores ou vários credores e devedores, tendo cada credor o direito de exigir e cada devedor o dever de prestar, integralmente, as coisas que são objeto da prestação. Existe, assim, solidariedade, quando, na mesma relação jurídica obrigacional, concorre pluralidade de credores e ou devedores, cada credor com o direito e cada devedor obrigado à dívida toda, in solidum. Daí o nome: obrigação solidária.”[9] Dessa forma, em síntese, em nosso sentir correta e extremamente adequada a inclusão do Estado no pólo passivo. VI. O DIREITO À SAUDE NA CONSTITUIÇÃO, NO ÂMBITO INFRACONSTITUCIONAL E SUA VIOLAÇÃO NA ESPÉCIE. A atual Constituição Federal e a Lei Orgânica de Saúde consagraram a prevalência de determinados direitos fundamentais, dentre eles o direito à vida e à saúde, que no caso concreto foram flagrantemente vulnerados. A mera leitura dos dispositivos constitucionais que seguem, em confronto com a hipótese dos autos, revela de pronto a lesão em causa: Art. 1.° A República Federativa do Brasil, (...), constitui‑se em Estado democrático de direito e tem como fundamentos: II‑ a dignidade da pessoa humana; Art. 6º. São direitos sociais a educação, a saúde, o trabalho, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição. Art. 196. A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação. Lei Orgânica da Saúde (Lei n° 8.080/90): Art. 2°. A saúde é um direito fundamental do ser humano, devendo o Estado prover as condições indispensáveis ao seu pleno exercício. § 1°. O dever do Estado de garantir a saúde consiste na formulação e execução de políticas econômicas e sociais que visem à redução de riscos de doença e de outros agravos e no estabelecimento de condições que assegurem acesso universal e igualitário às ações e aos serviços para a sua promoção, proteção e recuperação . Portanto, a Constituição da República e a Lei Orgânica da Saúde tutelam firmemente o direito de todos à saúde e impõe ao Estado o dever de garanti-lo. Ressalte-se, desde logo, que a aplicação destes princípios legais, é imediata, não necessitando de qualquer regulamentação. Comentando o assunto, veja-se a doutrina de Sueli Gandolfi Dallari: "Isto significa que ninguém ‑ legislador ou administrador pode alegar a ausência de norma regulamentadora para justificar a não aplicação imediata da garantia do direito à saúde”. Por outro lado, a saúde não é apenas uma contraprestação de serviços devida pelo Estado ao cidadão, mas sim um direito fundamental do ser humano, devendo, por isso mesmo, ser universal[10], igualitário[11] e integral[12], não se podendo prestar "meia-saúde", ou seja, fornecem-se algumas prestações e negam-se outras, ou fornecem-se apenas aquilo que permitem os recursos do momento. E não é outro o entendimento que deflui do conceito de direito à saúde, elaborado por Tupinambá Miguel Castro do Nascimento: “Todo ser humano, pelo simples fato de ter nascido com vida, no momento do nascimento adquire o direito subjetivo à sua saúde, direito que lhe acompanha até a morte. E, como é direito exigível do Estado, no que concerne à sua proteção, trata-se de direito subjetivo público, estruturando-se uma relação jurídica específica entre cada ser humano e o Estado, em que aquele é o credor e este, o devedor”. O direito de acesso universal e igualitário aos serviços de saúde, também está previsto na Constituição do Paraná em seu art. 167: " A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem a prevenção, redução e eliminação de doenças e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços de saúde para a sua promoção, proteção e recuperação." (grifo nosso) Em virtude do desrespeito do Réu aos enunciados normativos expostos, dá ele causa a violações inadmissíveis, principalmente porque a restrição na disponibilização de leitos de UTI, quando constatada situação de risco ou de gravidade, gera inegavelmente, à cada minuto sem a devida assistência, redução nas chances de obtenção da vida/saúde. Assim colocado, busca-se proteção jurisdicional no sentido de determinar à Administração Pública Estadual obediência ao consignado nas Portarias nº 1.101/2002 e 3.432/98 no que concerne à garantia de número suficiente de leitos UTI para atender à demanda populacional, inclusive municiando com recursos humanos e físicos apropriados, com o escopo de restar impedido mais mortes na mencionada “fila de espera”, em respeito aos direitos fundamentais do cidadão encartados na Carta Federal. A defasagem vem rotineiramente estampada nos jornais, espelhando o desrespeito do poder público para com a população e o descaso a que o Réu vem dando causa, posto que, consoante tudo está a indicar, não observa no planejamento, programação e priorização das ações de saúde a serem desenvolvidas, a normatização prevista como padrão de cobertura, disposta na Portaria nº 1101/GM, de 12 de junho de 2002, e de assistência aos pacientes, conforme disposto na Portaria nº 3.432/GM, de 12 de agosto de 1998. Para facilitar o conhecimento, importante destacar que a Portaria nº 1101/GM, de 12 de junho de 2002, ao preconizar os parâmetros de cobertura assistencial no SUS sinaliza no sentido de que: “3.5. NECESSIDADE DE LEITOS HOSPITALARES Em linhas gerais, estima-se a necessidade de leitos hospitalares da seguinte forma: a) Leitos Hospitalares Totais = 2,5 a 3 leitos para cada 1.000 habitantes; b) Leitos de UTI: calcula-se, em média, a necessidadede 4% a 10% do total de Leitos Hospitalares; (média para municípios grandes, regiões, etc.). Por sua vez, a Portaria nº 3432/GM, de 12 de agosto de 1998, de forma enfática, preconiza o que são UTIs, qual deve ser sua equipe básica e quais são os materiais e equipamentos necessários ao adequado funcionamento. Nesse sentido: “O Ministro de Estado da Saúde, no uso de suas atribuições legais, considerando: a importância na assistência das unidades que realizam tratamento intensivo nos hospitais do país, e a necessidade de estabelecer critérios de classificação entre as Unidades de Tratamento Intensivo, de acordo com a incorporação de tecnologia, a especialização dos recursos humanos e a área física disponível, resolve: Art. 1º - Estabelecer critérios de classificação entre as diferentes Unidades de Tratamento Intensivo - UTI. Art. 2º - Para as finalidades desta Portaria, as Unidades de tratamento Intensivo serão classificadas em tipo I, II e III. 1º - As unidades atualmente cadastradas pelo SUS, a partir da vigência desta Portaria, serão classificadas como tipo I. 2º - As unidades que comprovarem o cumprimento das especificações do anexo desta Portaria, poderão ser credenciadas pelo gestor nos tipos II ou III, de acordo com a necessidade de assistência da localidade onde estão inseridas. Art. 3º - A partir da data de publicação desta Portaria, serão cadastradas somente unidades do tipo II ou III. [...] ANEXO 1. Disposições Gerais: [...] 1.2. São unidades hospitalares destinadas ao atendimento de pacientes graves ou de risco que dispõem de assistência médica e de enfermagem ininterruptas, com equipamentos específicos próprios, recursos humanos especializados e que tenham acesso a outras tecnologias destinadas a diagnósticos e terapêutica. 1.3. Estas unidades podem atender grupos etários; a saber: Neonatal - atendem pacientes de 0 a 28 dias; Pediátrico - atendem pacientes de 28 dias a 14 ou 18 anos de acordo com as rotinas hospitalares internas; Adulto - atendem pacientes maiores de 14 ou 18 anos de acordo com as rotinas hospitalares internas; Especializada - voltada para pacientes atendidos por determinada especialidade ou pertencentes a grupo específico de doenças. 1.4. Todo hospital de nível terciário, com capacidade instalada igual ou superior a 100 leitos, deve dispor de leitos de tratamento intensivo correspondente a no mínimo 6% dos leitos totais. 1.5. Todo hospital que atenda gestante de alto risco deve dispor de leitos de tratamento intensivo adulto e neonatal. 2 - Das Unidades de Tratamento Intensivo do tipo II; 2.1. Deve contar com equipe básica composta por: - um responsável técnico com título de especialista em medicina intensiva ou com habilitação em medicina intensiva pediátrica; - um médico diarista com título de especialista em medicina intensiva ou com habilitação em medicina intensiva pediátrica para cada dez leitos ou fração, nos turnos da manhã e da tarde; - um médico plantonista exclusivo para até dez pacientes ou fração; - um enfermeiro coordenador, exclusivo da unidade, responsável pela área de enfermagem; - um enfermeiro, exclusivo da unidade, para cada dez leitos ou fração, por turno de trabalho; - um fisioterapeuta para cada dez leitos ou fração no turno da manhã e da tarde; - um auxiliar ou técnico de enfermagem para cada dois leitos ou fração, por turno de trabalho; - um funcionário exclusivo responsável pelo serviço de limpeza; - acesso a cirurgião geral(ou pediátrico), torácico, cardiovascular, neorocirurgião e ortopedista. 2.2. O hospital deve contar com: - Laboratórios de análises clínicas disponível nas 24 horas do dia; - agência transfusional disponível nas 24 horas do dia; - hemogasômetro; - ultra-sonógrafo; - eco-doppler-cardiógrafo; - laboratório de microbiologia; - terapia renal substitutiva; - aparelho de raios-x móvel; - serviço de Nutrição Parenteral e enteral; - serviço Social; - serviço de Psicologia; - 2.3. O hospital deve contar com acesso a : - estudo hemodinâmico; - angiografia seletiva; - endoscopia digestiva; - fibrobroncoscopia; - eletroencefalografia; 2.4. Materiais e Equipamentos necessários: - cama de Fawler, com grades laterais e rodízio, uma por paciente; - monitor de beira de leito com visoscópio, um para cada leito; - carro ressuscitador com monitor, desfibrilador, cardioversor e material para intubação endotraqueal, dois para cada dez leitos ou fração; - ventilador pulmonar com misturador tipo blender, um para cada dois leitos, devendo um terço dos mesmos ser do tipo microprocessado; - oxímetro de pulso, um para cada dois leitos; - bomba de infusão, duas por leito; - conjunto de nebulização, em máscara, um para cada leito; - conjunto padronizado de beira de leito, contendo: termômetro(eletrônico, portátil, no caso de UTI neonatal), esfigmonômetro, estetoscópio, ambu com máscara(ressuscitador manual), um para cada leito; - bandejas para procedimentos de : diálise peritoneal, drenagem torácica, toracotomia, punção pericárdica, curativos, flebotomia, acesso venoso profundo, punção lombar, sondagem vesical e traqueostomia; - monitor de pressão invasiva; - marcapasso cardíaco externo, eletrodos e gerador na unidade, - eletrocardiógrafo portátil, dois de uso exclusivo da unidade; - maca para transporte com cilindro de oxigênio, régua tripla com saída para ventilador pulmonar e ventilador pulmonar para transporte; - máscaras com venturi que permita diferentes concentrações de gases; - aspirador portátil; - negatoscópio; - oftalmoscópio; - otoscópio; - Pontos de oxigênio e ar comprimido medicinal com válvula reguladoras de pressão e pontos de vácuo para cada leito; - cilindro de oxigênio e ar comprimido, disponíveis no hospital; - conjunto CPAP nasal mais umidificador aquecido, um para cada quatro leitos, no caso de UTI neonatal, um para cada dois leitos; - capacete para oxigenioterapia para UTI pediátrica e neonatal; - fototerapia, um para cada três leitos de UTI neonatal; - Incubadora com parede dupla, uma por paciente de UTI neonatal; - balança eletrônica, uma para cada dez leitos na UTI neonatal; 2.5. Humanização: - climatização; - Iluminação natural; - divisórias entre os leitos; - relógio visíveis para todos os leitos; - garantia de visitas diárias dos familiares, à beira do leito; - garantia de informações da evolução diária dos pacientes aos familiares por meio de boletins. 3. As Unidades de Tratamento Intensivo do tipo III, devem, além dos requisitos exigidos paras as UTI tipo II, contar com: 3.1. Espaço mínimo individual por leito de 9m², sendo para UTI Neonatal o espaço de 6 m² por leito; 3.2. Avaliação através do APACHE II se for UTI Adulto, o PRISM II se UTI Pediátrica e o PSI modificado se UTI Neonatal. 3.3. Além da equipe básica exigida pela UTI tipo II, devem contar com: - um médico plantonista para cada dez pacientes, sendo que pelo menos metade da equipe deve ter título de especialista em medicina intensiva reconhecido pela Associação de Medicina Intensiva Brasileira(AMIB); - enfermeiro exclusivo da unidade para cada cinco leitos por turno de trabalho; - fisioterapeuta exclusivo da UTI; - acesso a serviço de reabilitação; 3.4. Além dos requisitos exigidos para as UTI tipo II, o hospital deve possuir condições de realizar exames de : - tomografia axial computadorizada; - anatomia patológica; - estudo hemodinâmico; - angiografia seletiva; - fibrobroncoscopia; - ultra-sonografia portátil. 3.5. Além materiais e equipamentos necessários para UTI tipo II, o hospital deve contar com: - Metade dos ventiladores do tipo microprocessado, ou um terço, no caso de UTI neonatal; - monitor de pressão invasiva, um para cada cinco leitos; - equipamentos para ventilação pulmonar não invasiva; - capnógrafo; - equipamento para fototerapia para UTI Neonatal, um para cada dois leitos; - marcapasso transcutâneo.” Aliada à defasagem de leitos de UTIs, onde se incluem a precariedade de estrutura física e humana, encontra-se a falta de observância do Estado à circunstância de que necessita “alimentar” rotineiramente o Cadastro Nacional dos Estabelecimentos de Saúde-CNES, possibilitando, inclusive, que a própria gestão do SUS possa ser mais efetiva e resolutiva, impedindo que a situação deficitária demore muito para encontrar a solução devida. Esses dizeres encontram respaldo legal na Portaria nº 511 de 29 de dezembro de 2000, visto que: Art. 10 - Estabelecer que o não cumprimento, pelos gestores estaduais e municipais das atividades de cadastramento e da constante atualização do cadastro dos Estabelecimentos de Saúde, implicará no bloqueio do antigo cadastro das Unidades e conseqüentemente do pagamento dessas Unidades pelos serviços prestados. [...] § 2º- Os gestores Estaduais são responsáveis pela Coordenação do processo de cadastramento em seu estado, com a devida cooperação técnica e financeira deste Ministério; § 3º - Compete ao gestores estaduais a assinatura de todas as FCES, bem como o cadastro dos estabelecimentos situados em municípios não habilitados em qualquer forma de gestão e dos habilitados nas gestão plena da atenção básica, podendo, a seu critério, delegar esta atribuição aos gestores municipais;” Finalmente, necessário destacar que ao restar aprovada a Carta dos Direitos dos Usuários da Saúde, consolidando os direitos e deveres do exercício da cidadania na saúde como em todo País, assinalou-se no anexo à Portaria nº 675/GM, de 30 de março de 2006 que: “[...] II – todo cidadão tem direito a tratamento adequado e efetivo para seu problema; [...] Todos os cidadãos têm direito ao acesso às ações e aos serviços de promoção, proteção e recuperação da saúde promovidos pelo Sistema Único de Saúde: [...] II – nas situações de urgência/emergência, o atendimento se dará de forma incondicional, em qualquer unidade do sistema;” Dessa forma, o direito da coletividade aqui assistida é incontestável, ante as premissas de ordem constitucional e infraconstitucional que a socorre, devidamente demonstrado na sua existência e individualizado na sua extensão. VII. DA NECESSIDADE DA ADMINISTRAÇÃO PAUTAR-SE DE FORMA VINCULADA Nota-se que a matéria submetida à apreciação judicial está estritamente regulada, de tal sorte que descabe qualquer eventual alegação de discricionariedade no seu trato por parte do administrador, posto que não lhe é facultado, a esse pretexto, afrontar a regulamentação existente e colocar em grave risco a adequada prestação de ações e serviços de saúde, prejudicada com a falta de leitos de UTI. Assim afirma-se porque as premissas expostas encontram respaldo na legislação e obrigatoriamente são consideradas de eficácia plena; logo, funcionam como limitador do campo de atuação discricionária dos Administradores Públicos, que detém apenas a competência vinculada. De regra, o dever de agir é um dos princípios da Administração, para quem a execução, a continuidade e a eficácia dos serviços públicos constituem imperativos absolutos. Por isso se diz que, sendo outorgado para satisfazer interesses indisponíveis, todo poder administrativo tem para as autoridades um caráter impositivo, convertendo-se, assim, em verdadeiro dever de agir. Ao tratar do assunto, a administrativista Odete Medauar assinala que: “Há poder vinculado, também denominado competência vinculada, quando a autoridade, ante determinada circunstância, é obrigada a tomar decisão determinada, pois sua conduta é ditada previamente pela norma jurídica. O ordenamento jurídico confere ao administrador um poder de decisão, mas predetermina as situações e condições, canalizando-a a uma só direção. Por isso, na doutrina se diz que já matérias de reserva legal absoluta, em que o vínculo da Administração ao bloco de juridicidade é máximo. Se houver uma só solução, como conseqüência da aplicação de uma norma, ocorre o exercício do poder vinculado.”[13] Em idêntico sentido, o professor Celso Antônio Bandeira de Melo sustenta que: “Atos vinculados – os que a Administração pratica sem margem alguma de liberdade para decidir-se, pois a lei previamente tipificou o único possível comportamento diante de hipótese prefigurada em termos objetivos.”[14] Registradas essas assertivas, não há como se argumentar que a obrigação do demandado permanece restrita ao comando legal e não aqueles emanados de Portarias ou Resoluções, tão freqüentes na seara sanitária, proveniente, sobretudo, do Ministério da Saúde. Dessa forma, as normas editadas pela União (Ministério da Saúde) devem ser observadas pelos Estados (Secretarias de Estado da Saúde), visto que àquela incumbe a direção nacional do sistema de saúde, podendo estes, por sua vez, aprimorar a regulamentação de questões tratadas no âmbito federal, de forma suplementar, por meio de lei ou outro tipo de ato normativo, sem, contudo, contrariá-los, nem tampouco de suas diretrizes essenciais se distanciar. Há, com isso, a conciliação entre as competências da União e dos Estados com a lógica que permeia o referido sistema público, reconhecendo-se o papel de coordenação nacional desempenhado pela União. Essa lição tem um sentido muito especial, pois significa que as Portarias e Resoluções do Ministério da Saúde, porque também embasam o conjunto legal que dá força à legislação da saúde, têm força normativa, devendo ser acatada pelos entes estatais em suas políticas de implementação pública na área da saúde, não podendo ser desrespeitadas pela legislação estadual que verse sobre o mesmo assunto. Nesse sentido, Paulo Affonso Leme MACHADO[15], ao tratar do alcance do regramento das ações e serviços de saúde, diante de suas peculiaridades, defende: “Uma questão de alto interesse jurídico é de situar o alcance da expressão legislar sobre normas gerais de defesa e proteção à saúde por parte da União. O termo `legislar` não se refere somente à lei formal, isto é, àquela proveniente de uma manifestação do Poder Legislativo. Themistocles B. Cavalcanti explicita: Legislar significa criar normas que disciplinam as atividades políticas e administrativas mencionadas expressamente na Constituição, compreendendo principalmente as leis em seu sentido material. É a função normativa em sua significação material, compreende não só o direito substantivo como também o formal... Pontes de Miranda é do mesmo entendimento, assimilando ao termo legislação `qualquer regra jurídica, inclusive o decreto, o regulamento`. (...) Muitos atos administrativos se antecipam às leis específicas. A legalidade, contudo, dos decretos e portarias (...) há de ser medida sob o ângulo do seu fundamento em lei, ainda que esta seja de caráter geral. (...) Não se pode admitir sejam olvidados os decretos e as portarias federais, mesmo que não constituam leis formais. O que é importante pesquisar é se o decreto ou a portaria federal não invadiu o campo constitucional dos Estados (...), pois os atos administrativos federais não podem ser exaustivos... Assim, os Estados (...) em suas leis não podem contrariar aquilo que como norma geral a União dispôs em decretos e portarias no tocante à defesa e proteção da saúde.” (grifo nosso) Dessa forma, quando a omissão/atitude do Estado causar inconstitucionalidades ou ilegalidades, torna-se obrigatória a intervenção do Judiciário, objetivando assegurar preceitos de ordem fundamental, onde a saúde deve assumir lugar de destaque. Nesse sentido: “ADMINISTRATIVO E PROCESSO CIVIL – AÇÃO CIVIL PÚBLICA – ATO ADMINISTRATIVO DISCRICIONÁRIO: NOVA VISÃO. 1. Na atualidade, o império da lei e o seu controle, a cargo do Judiciário, autoriza que se examinem, inclusive, as razões de conveniência e oportunidade do administrador. 2. Legitimidade do Ministério Público para exigir do Município a execução de política específica, a qual se tornou obrigatória por meio de resolução do Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente. 3. Tutela específica para que seja incluída verba no próximo orçamento, a fim de atender a propostas políticas certas e determinadas. 4. Recursos especial provido.”[16] E ainda: “PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. Coleta de lixo. Serviço Essencial. Prestação descontinuada. Prejuízo à saúde pública. Direito fundamental. Norma de natureza programática. Auto-executoriedade. Proteção por via da ação civil pública. Possibilidade. Esfera de discricionariedade do administrador. Ingerência do Poder Judiciário. [...] 4. A determinação judicial desse dever pelo Estado, não encerra suposta ingerência do judiciário na esfera da administração. Deveras, não há discricionariedade do administrador frente aos direitos consagrados, quiçá constitucionalmente. Nesse campo a atividade é vinculada sem admissão de qualquer exegese que vise afastar a garantia pétrea. [...] 9. Ressoa evidente que toda imposição jurisdicional à Fazenda Pública implica em dispêndio e atuar, sem que isso infrinja a harmonia dos poderes, porquanto no regime democrático e no estado de direito o Estado soberano submete-se à própria justiça que instituiu. Afastada, assim, a inferência entre os poderes, o judiciário, alegando o malferimento da lei, nada mais fez do que cumpri-la ao determinar a realização prática da promessa constitucional”[17] (grifo nosso). Por conseguinte, o regramento existente constitui limitação ao agir discricionário do Réu, devendo, na verdade, corporificar norma a ser seguida, dentro da mais estrita legalidade, demonstrando não haver justificativa plausível para o reprovável agir pelo qual o Estado do Paraná têm preferido pautar-se. VIII. DA TUTELA ANTECIPADA A concessão da tutela antecipada constitui-se em ferramenta de extrema utilidade contra os males decorrentes do tempo de tramitação do processo, exigindo a presença de dois requisitos essenciais: prova inequívoca do alegado e a verossimilhança da alegação. Sobre os requisitos possibilitadores da tutela antecipada ensina Teori Albino Zavascki: “Atento, certamente, à gravidade do ato que opera restrição a direitos fundamentais, estabeleceu o legislador, como pressupostos genéricos, indispensáveis à qualquer das espécies de antecipação de tutela, que haja prova inequívoca e verossimilhança da alegação. O fumus boni iuris deverá estar, portanto, especialmente qualificado: exige-se que os fatos, examinados com base na prova já carreada, possam ser tidos como fatos certos. Em outras palavras, diferentemente do que ocorre no processo cautelar (onde há juízo de plausibilidade quanto ao direito e de probabilidade quanto aos fatos alegados), a antecipação da tutela de mérito supõe a verossimilhança quanto ao fundamento de direito, que decorre de (relativa) certeza quanto à verdade dos fatos.”[18] Para a agilização da entrega da prestação jurisdicional, não subsiste qualquer dúvida quanto à existência – mais do que provável na espécie - dos direitos alegados, consoante se infere dos argumentos e dispositivos legais mencionados. Ademais, tal afirmativa parte do reconhecimento de que prova inequívoca não é aquela utilizada para o acolhimento final da pretensão, mas apenas o conjunto de dados de convencimento capazes de, antecipadamente, através de cognição sumária, permitir a verificação da probabilidade da parte requerente ver antecipados os efeitos da sentença de mérito. Na hipótese vertente, a prova material inequívoca pode ser inferida por meio de toda a documentação coligida no Procedimento Administrativo, na qual se destacam os ofícios remetidos ao Ministério Público pela Secretaria de Estado da Saúde e Departamento Nacional de Auditoria do SUS, além das reportagens de jornais que dão conta de um déficit de leitos UTI em todas as Regionais de Saúde do Estado, bem como do relatório realizado pelo médico auditor atuante junto à Promotoria de Justiça de Proteção à Saúde Pública de Curitiba. Por conseqüência, a verossimilhança do direito invocado acaba também se tornando evidenciada, com forte juízo de probabilidade, ante a flagrante desobediência do Réu às normas constitucionais e infraconstitucionais, o que cada vez mais vem dificultando o alcance da reparação necessária. Em outras palavras, o fator verossímil exigido está patenteado nas conclusões obtidas e coligidas aos autos, no sentido de que realmente o Estado não obedece ao preceituado nas Constituições Federal e Estadual, na Lei Orgânica da Saúde, no Código de Saúde do Paraná e, de modo mais específico, nas Portarias nº 1.101/2002 e 3.432/98, ambas do Ministério da Saúde, sendo plenamente insuficiente para atender a demanda local e regional o número atual de leitos UTI neste Estado. A isso deve somar-se o grave receio de dano irreparável que a ausência de leitos, aparelhagens e profissionais habilitados ao integral funcionamento de tais leitos ocasionam à pronta assistência aos pacientes, oferecendo-lhes riscos inadmissíveis à saúde. Assim, permitir que tal situação somente venha a ser regularizada ao final da demanda, implica na persistência indefinida das omissões apontadas e seus prejuízos. Na seara particular da saúde, a não resolução dos problemas, em hipótese nenhuma pode ser admitida como realidade imutável e despida de qualquer conseqüência. Sempre haverá conseqüências, algumas irreparáveis. Não incide possibilidade do provimento antecipatório produzir qualquer perigo de irreversibilidade,[19] já que, a qualquer tempo, o estado anterior à antecipação buscada tem fáceis condições de voltar a reinar, só que neste caso, em flagrante prejuízo dos pacientes e da missão a que se destina a tutela antecipatória. Além do mais, o adimplemento que se postula, ainda que utilizado pelo usuário, é da estrita responsabilidade do demandado, não se podendo alegar, posteriormente, prejuízo ou dificuldade de restituição dos valores correspondentes. Portanto, imprescindível a pronta intervenção judicial para que o poder público, municipal e estadual, propiciem aos pacientes usuários de leitos de UTI/SUS estrutura humana e física capaz de atender às ações e serviços de saúde com resolutividade[20], até para que resultem observados os princípios da organização e eficiência retratados no artigo 37 da Constituição Federal. É da jurisprudência coerente do col. Tribunal de Justiça do Paraná acerca da tutela antecipada em situações de perigo para a saúde e a existência humana: “AGRAVO DE INSTRUMENTO. TUTELA ANTECIPADA. FAZENDA PUBLICA. ESTADO DE NECESSIDADE. VIDA HUMANA. "Conquanto o Colendo Supremo Tribunal Federal, quando do julgamento em plenário da medida liminar na ADC n. 4, tenha entendido pela impossibilidade da antecipação de tutela em face da Fazenda Pública, tal restrição deve ser considerada com temperamentos. A vedação não tem cabimento em situações especialíssimas, nas quais resta evidente o estado de necessidade e a exigência de preservação da vida humana”. (Proc. 126577800 – origem: 4ª Vara de Fazenda Pública, Falências e Concordatas, acórdão 22698, 1ª CC do TJ-PR, Rel. Airvaldo Stela Alves, julg. 11/2/2003). O Superior Tribunal de Justiça, por sua vez, definiu: “PROCESSUAL CIVIL.. TUTELA ANTECIPADA CONTRA A FAZENDA PÚBLICA. INAPLICABILIDADE DO ART. 1º, DA LEI N.º 9.494/97. 1. A tutela antecipada pressupõe direito evidente (líquido e certo) ou direito em estado de periclitação. É líquido e certo o direito quando em consonância com a jurisprudência predominante do STJ, o guardião da legislação infraconstitucional. 2. O STJ firmou entendimento no sentido de que, para efeito de reembolso dos hospitais que prestam serviços ao SUS, o fator de conversão para o REAL é o equivalente a CR$ 2.750,00 (dois mil, setecentos e cinqüenta cruzeiros reais) e não o valor criado pelo Ministério da Saúde, autoridade incompetente frente à atribuição exclusiva do Banco Central do Brasil. 3. Mercê do direito evidente, os hospitais que atendem parcela ponderável da população, fazendo às vezes do SUS, necessitam do reembolso iminente das verbas pelos seus valores reais para implementarem, em nome do Estado, o dever de prestar saúde a todos. A saúde, como de sabença, é direito de todos e dever do Estado. 4. A tutela antecipada contra o Estado é admissível quando em jogo direitos fundamentais como o de prestar saúde a toda a coletividade. Proteção imediata do direito instrumental à consecução do direito-fim e dever do Estado. 5. Tutela antecipatória deferida em favor de Hospitais, que lidam com a prestação de serviços à comunidade carente, visa a preservação do direito personalíssimo à saúde. Inaplicação do art. 1º, da Lei n.º 9.494/97. 6. A tutela antecipada é concebível tanto nos casos de periclitação do direito quanto nas hipóteses de direito evidente. É líquido e certo o direito dos hospitais ao percebimento dos valores de repasse dos montantes da conversão em URVs, fixada pelo Banco Central. Destarte, o pagamento a menor configura situação de periculum porquanto abala a capacidade de os hospitais implementarem as atividades necessárias à efetivação do direito constitucional à saúde. Direito evidente e em estado de periclitação. Manutenção da tutela antecipada. 7. É assente na doutrina que o provimento antecipatório é de efetivação imediata, auto-executável e mandamental, características inconciliáveis com a suspensividade da decisão. Não resistiria à lógica do razoável sustar provimento urgente, como sói ser a liminar antecipatória. Aliás, não foi por outra razão que a novel reforma do CPC esclareceu que o provimento antecipado submete-se à execução provisória, porém, completa”. (Recurso especial conhecido e desprovido. (RESP 441466-RS, Recurso Especial 2002/0074681-1, STJ, 1ª Turma, decisão em 22/4/2003, DJ 9/6/2003, p. 179, Rel. Min. Luiz Fux). A esses argumentos deve somar-se o corretamente enfatizado pelo Juiz de Direito Carlos Roberto Feres: “O poder do juiz de conceder ou não a antecipação da tutela não configura um ato discricionário na acepção que tal ato possui no direito administrativo. O Juiz tem, isso sim, se configurados os requisitos previstos no art. 273 e seus parágrafos e incisos do Código de Processo Civil, não apenas o poder, mas o dever de conceder a antecipação. Seu campo de atuação “discricionário” (relativa margem de liberdade de escolha) está apenas dentro dos limites impostos pelo legislador, mesmo quando interpreta conceitos vagos ou indeterminados, influenciando, certamente, na formação de sua convicção, não apenas sua formação pessoal, mas o meio social em que vive e as circunstâncias fáticas que cercam o pedido.”[21] Assim, inquestionável a possibilidade de antecipação dos efeitos da tutela, cujos termos serão apresentados ao final deste item, já que ponderações sobre a possibilidade de concessão, mesmo diante da legislação eleitoral e de responsabilidade fiscal mostram-se adequadas. VIII. 1 POSSIBILIDADE DE DEFERIMENTO DA TUTELA ANTECIPADA, ANTE O CONTIDO NA LEGISLAÇÃO ELEITORAL (Lei nº 9.504/97) A Lei nº 9.504, de 30 de setembro de 1997, ao tratar das condutas vedadas aos agentes públicos no ano eleitoral, proíbe condutas capazes de afertar a igualdade de oportunidades entre os candidatos nos pleitos eleitorais, dentre as quais a nomeação, contratação, bem como a admissão ou demissão sem justa causa, além da supressão ou readaptação de vantagens que podem dificultar ou impedir o exercício profissional. De igual forma, obsta a remoção, transferência ou exoneração de servidor público, nos três meses que antecedem o pleito e até a posse dos eleitos, sob pena de nulidade de pleno direito. No entanto, o legislador, acertadamente, sabedor da existência de situações que não podem aguardar o término da campanha eleitoral e/ou a posse do eleito, estabeleceu exceção à vedação citada, quando estabeleceu no artigo 73, inciso V, alínea “d”, da Lei nº 9504/97 que é possível a “nomeação ou contratação necessária à instalação ou ao funcionamento inadiável de serviços públicos essenciais, com prévia e expressa autorização do Chefe do Poder Executivo”. Assim, na órbita eleitoral, mesmo diante das eleições que se aproximam, não há nenhum empecilho ou obstáculo capaz de impedir a antecipação da tutela, até porque o suprimento do déficit de leitos de UTIs, com a instrumentalização de recursos humanos e físicos hábeis ao adequado funcionamento, mostra-se extremamente necessário, servindo de justa causa para, in casu, restar preponderante a exceção citada, na hipótese do Estado, através de seus agentes, precisarem viabilizar estrutura além da já existente, diante da fato de constituir-se importante fator para o funcionamento improrrogável de serviço público claramente essencial, como é o da saúde. Em hipótese semelhante o Colendo Tribunal Superior posicionou-se no sentido de que: “Agravo de instrumento. Agravo regimental. Contratação de pessoal – Art. 73, V, da Lei n° 9504/97 – Surto de dengue – Serviço essencial e inadiável – Convênio – Assinatura e aditamento – Anterioridade – Pleito – Chefe do Poder Executivo – Autorização – Alínea d – Não ocorrência. 1. A autorização referida na alínea d do inciso V do art. 73 da Lei n° 9.504/97 deve ser específica para a contratação pretendida e devidamente justificada. 2. O fato de se tratar de contratação de pessoal para prestar serviços essenciais e inadiáveis não afasta a necessidade de que, no período a que se refere o inciso V do art. 73 da Lei n° 9504/97, haja expressa autorização por parte do chefe do Executivo. Agravo a que se nega provimento”.[22] Assim, não serve este período que antecede as eleições para impedir o deferimento da tutela antecipada. VIII. 2 POSSIBILIDADE DE DEFERIMENTO DA TUTELA ANTECIPADA. AUSÊNCIA DE LESÃO À LEI DE RESPONSABILIDADE FISCAL A Lei Complementar n° 101, de 04 de maio de 2000, estabelece normas de finanças públicas direcionadas à responsabilidade na gestão fiscal, garantindo maior transparência e disciplinando a forma como os administradores devem viabilizar o planejamento, sobretudo para que, ao final, o interesse público possa realmente prevalecer sobre o privado. Por sua vez, consoante destacado, o artigo 197 da Constituição Federal explicita que “são de relevância pública as ações e serviços de saúde”, isto em razão do grande valor, da importância adicional dessas atividades para o ser humano em geral, devendo a Administração Pública priorizar sua implementação e execução, sobretudo porque é o meio capaz de realmente garantir o direito à vida, o mais fundamental de todos os direitos do ser humano, constituindo-se em pré-requisito à existência e exercício de todos os demais, devendo ser, por conseqüência, extremamente valorizado. Tal não pode ser outra interpretação, vez que o próprio constituinte, no artigo 5º, caput, da Carta Magna, topograficamente, situa a vida em primeiro, para num segundo momento apontar a liberdade, a segurança e a propriedade. Havendo conflito entre esses bens maiores, a homogeneidade torna-se imprescindível, visto o Direito não tolerar antinomias, não sendo possível que, principalmente no âmbito constitucional, ocorram conflitos; razão pela qual deve o intérprete buscar a conciliação possível entre as proposições que se mostrarem antagônicas, levando-se em conta a chamada ponderação de bens e valores. Dessa forma, na hipótese vertente, se é certa a importância da Lei de Responsabilidade Fiscal e de seus enunciados, posto que objetivam introduzir responsabilidade, transparência e austeridade essenciais às finanças públicas, deverão tais proposições ceder, em determinadas circunstâncias, diante da necessidade de garantir a saúde e a vida dos membros da coletividade, visto que inegavelmente estes bens merecem ser enxergados como os de maior valor. Por conseguinte, considerando-se que a vida/saúde das pessoas é mais valiosa, passa a ganhar preponderância, deixando apenas de subsistir tal premissa a partir do momento em que, na balança, não estiver correndo risco de ofensa, o que facilmente se percebe não ser o caso dos autos, onde a falta de leitos de UTI e da estrutura necessária ao seu funcionamento gera fundada possibilidade de morte a inúmeras pessoas diariamente. O contrário implica afirmar que a vida/saúde dos seres humanos não é valor respeitável o que, além de ser despropositado, inconcebível, representa acintoso desrespeito à dignidade com que toda pessoa merece ser tratada. Não pode ser esse o propósito da LC nº 101/00! Assim frisado, para a situação exposta, não há como vigorar eventual pensamento ou alegação no sentido de que a existência e funcionamento de novos leitos de UTI, por implicar em aumento de despesa no período que estamos vivenciando, encontraria vedação no artigo 21 e parágrafo único da Lei de Responsabilidade Fiscal, vez que buscando viabilizar a oferta resolutiva de ações e serviços de saúde para usuários do SUS que enfrentam situação de risco, a espera pelo encerramento do mandato do titular do executivo estadual significa favorecer que diversos resultados morte tenham sucesso, em oposição à vida que, repetindo, constitui-se em nosso bem maior, único de recuperação impossível. Além do mais, ao comentar sobre o aludido dispositivo legal, Maria Sylvia Zanella Di Pietro destaca: “[...] o dispositivo não proíbe os atos de investidura ou os reajustes de vencimentos ou qualquer outro tipo de ato que acarrete aumento de despesa, mas veda que haja aumento de despesa com pessoal no período assinalado. Assim, nada impede que atos de investidura sejam praticados ou vantagens pecuniárias sejam outorgadas, desde que haja aumento da receita que permita manter o órgão ou Poder no limite estabelecido no art. 20 ou desde que o aumento da despesa seja compensado com atos de vacância ou de outras formas de diminuição da despesa com pessoal”.[23] Em síntese, a regularização da questão é possível, cabendo ao Estado do Paraná, através de seu Gestor de saúde, se assim entender, após prévia autorização legislativa, por exemplo, providenciar a abertura de crédito suplementar ou especial, além da transposição, remanejamento ou transferência de recursos de uma categoria de programação para outra, consoante permite, inclusive, os incisos V e VI, do artigo 167 e incisos V e VI, do artigo 135, ambos da Constituição Federal. De igual forma, não se pode sustentar que a regra disposta no artigo 42 e parágrafo único da Lei de Responsabilidade Fiscal serve de impedimento para que o Estado do Paraná inicie, desde logo, o reparo aos prejuízos por eles mesmos causados, na medida em que a saúde pública, consoante exposto, possui feições próprias, como corolário de sua relevância pública, de modo que merece proteção contínua e rápida, sob pena do bem-estar físico, psíquico e social das pessoas sofrer abalo capaz de impedir recomposição, como ocorre, por exemplo, nos casos em que as pessoas morrem por falta de vagas em leitos de hospitais. Tais fatos, vistos cotidianamente, revelam que a configuração rotineira de danos concretos à saúde pública, advindos da não adoção de posturas tendentes a combatê-los. Por isso que ao tratar desse artigo, Misabel Abreu Machado Derzi, levando em consideração situações semelhantes a dos autos, ressaltou que: “O dispositivo, não obstante, não atinge as novas despesas contraídas no primeiro quadrimestre do último ano do mandato, ainda que de duração continuada superior ao exercício financeiro. Também não deverá alcançar outras despesas contraídas no final do exercício para socorrer calamidade pública ou extraordinárias para atender a urgências necessárias.”[24] Como se vê, a própria Lei de Responsabilidade Fiscal permite antever que outro entendimento pode-se dar a questão posta, não podendo uma leitura rápida e descontextualizada - sobretudo do disciplinado no artigo 21 e no parágrafo único do artigo 42 -, levar à interpretação de que os administradores não poderiam regularizar a defasagem de leitos de UTIs existentes ou que “teria a obrigatoriedade de manter, em sua integralidade, no caixa do Poder ou órgão, recursos necessários à satisfação das obrigações de despesas contraídas. Porém, tal entendimento não se afiguraria como procedente”[25]. Dessa forma, presentes os requisitos necessários, requer o Ministério Público seja concedida medida liminar, determinando a antecipação dos efeitos da sentença de mérito para cessar, imediatamente, a omissão do Réu, assim resguardando a ordem jurídica e os interesses dos pacientes que necessitam ou que virão a necessitar da disponibilização de leito de UTI. Mister destacar que pelas razões expostas e preenchidos os requisitos legais – tal qual ocorre in casu – prescindível a oportunização de justificação prévia, até porque, a cada dia transcorrido sem mudança na atual situação das coisas, aumenta a iminência de perecimento da vida/saúde dos paranaenses. Logo, diante das conseqüências irreversíveis que advêm da imperdoável omissão do Estado, é que se pleiteia o deferimento de tutela antecipada, sem justificativa ou oitiva da parte contrária, diante da possibilidade prevista no artigo 12 da Lei 7.347, de 24 de julho de 1985, já que presentes os requisitos necessários para a concessão pretendida, a fim de que seja determinado ao Estado do Paraná a adoção das providências necessárias para que, no prazo em que Vossa Excelência entender como cabível, comece a dar existência e colocar em funcionamento, mensalmente, no mínimo 10% de 283 (duzentos e oitenta e três) leitos, correspondente ao déficit total de unidades apurado, garantindo proporção adequada de UTIs gerais, pediátricas e neonatais, atentando-se às exigências humanas e físicas explicitadas Portaria GM nº 3432, de 12 de agosto de 1998, distribuindo-os adequadamente pelas regionais de saúde do Paraná. Na eventualidade do Estado do Paraná não prover o solicitado, nos prazos mencionados, a contar do deferimento da medida liminar, requer o Ministério Público seja o mesmo condenado a arcar com multa cominatória diária de R$ 7.000,00 (sete mil reais), nos termos do artigo 11 da Lei Federal n° 7.347/85, valor esse que deverá ser destinado ao Fundo Estadual de Saúde.[26] IX. DOS PEDIDOS Isso exposto, protestando-se pela produção de todas as provas admitidas em direito, pleiteia-se: i) o deferimento de tutela antecipada, sem justificativa ou oitiva da parte contrária, diante da possibilidade prevista no artigo 12 da Lei 7.347, de 24 de julho de 1985, já que presentes os requisitos necessários para a concessão pretendida, a fim de que seja determinado ao Estado do Paraná a adoção das providências necessárias para que, no prazo em que Vossa Excelência entender como cabível, comece a dar existência e colocar em funcionamento, mensalmente, no mínimo 10% de 283 (duzentos e oitenta e três) leitos, correspondente ao déficit total de unidades apurado, garantindo proporção adequada de UTIs gerais, pediátricas e neonatais, atentando-se às exigências humanas e físicas explicitadas Portaria GM nº 3432, de 12 de agosto de 1998, distribuindo-os adequadamente pelas regionais de saúde do Paraná, sob pena de, não o fazendo, arcar com a imposição de multa diária à razão de R$ 7.000,00 (sete mil reais), nos termos do artigo 11 da Lei Federal n° 7.347/85, a qual deverá ser revertida ao Fundo Estadual de Saúde, sem prejuízo da responsabilização criminal da autoridade a quer der causa a desobediência; ii) a citação do Estado do Paraná, na pessoa do Excelentíssimo Procurador-Geral do Estado, no intuito de que, querendo, conteste a presente ação e a acompanhe, até final sentença, sob pena de revelia; iii) a intimação pessoal do Ministério Público proponente de todos os atos do processo; iv) sejam, ao final, julgados procedentes os pedidos, com o propósito de que: iv.1. reste determinado ao Estado do Paraná a adoção das providências necessárias para que o déficit total de UTIs apurado, correspondente a 283 (duzentos e oitenta e três) leitos, seja integralmente suprido, garantindo proporção adequada de UTIs gerais, pediátricas e neonatais, atentando-se às exigências humanas e físicas explicitadas Portaria GM nº 3432, de 12 de agosto de 1998 e distribuindo-os adequadamente pelas regionais de saúde do Paraná. iv.2. secundariamente, mantenha o demandado constantemente atualizado seus dados junto ao Cadastro Nacional de Estabelecimentos de Saúde – CNES - já que não o alimenta, possivelmente porque representaria verdadeira confissão ao déficit de leitos apontados -, pois além de ser medida imprescindível a um gerenciamento eficaz e eficiente, favorece ao Gestor o conhecimento da realidade da rede assistencial existente e suas potencialidades, visando a auxiliar no planejamento em saúde, bem como dar maior visibilidade ao controle social a ser exercido pela população. v) a produção de todas as provas admitidas em direito, especialmente inquirição de testemunhas, juntada de documentos e exames periciais que se fizerem necessários; vi) a dispensa do pagamento de custas, emolumentos e outros encargos, nos termos do art. 18, da Lei Federal nº 7347/85; vii) o reconhecimento da PRIORIDADE DE TRAMITAÇÃO à esta ação civil pública, na medida em que a regularização da oferta de leitos de UTIs, amplamente vem de encontro aos interesses de inúmeras crianças, adolescentes e idosos deste Estado, pois quando necessitam de atendimento especializado (assistência médica e de enfermagem ininterruptas, com equipamentos específicos), a terapêutica deve ocorrer através de Unidades de Terapia Intensiva Neonatais, Pediátricas e Gerais, respectivamente, bem como porque assim autoriza o item 2.3.2.1 do Código de Normas da Corregedoria Geral de Justiça, em observância do disposto no art.4º, caput e par. único, alínea “b”, da Lei nº 8.069/90 e art.227, caput, da Constituição Federal, além do preconizado no artigo 71, do Estatuto do Idoso e no artigo 1211-A do Código de Processo Civil, com a redação dada pela Lei nº 10.173, de 09 de janeiro de 2001; viii) A condenação do réu ao pagamento das despesas processuais e verba honorária de sucumbência, cujo recolhimento deve ser determinado que seja feito ao “Fundo Especial do Ministério Público”, criado pela Lei Estadual nº 12.241, de 28 de junho de 1.998, nos termos do artigo 118, inciso II, alínea “a”, parte final, da Constituição do Estado do Paraná. Dá‑se à causa, por ser inestimável, apenas para fins fiscais, o valor de R$ 1.000,00 (mil reais). Nesses termos, Pede deferimento. Curitiba, 12 de julho de 2006. Marcelo Paulo Maggio Luciane Maria Duda Promotor de Justiça Promotora de Justiça Itens abordados: I. Dos fatos; II. A saúde como corolário da dignidade da pessoa humana; III. O cabimento da presente ação civil pública e sua conjuntura; IV. A legitimidade ativa do Ministério Público; V. A legitimidade passiva do Estado do Paraná; VI. O direito à saúde na constituição, no âmbito infraconstitucional e sua violação na espécie; VII. Da necessidade da administração pautar-se de forma vinculada; VIII. Da tutela antecipada; VIII. 1. Possibilidade de deferimento da tutela antecipada, ante o contido na legislação eleitoral (Lei nº 9.504/97); VIII. 2. Possibilidade de deferimento da tutela antecipada. Ausência de lesão à Lei de Responsabilidade Fiscal; IX. Dos pedidos.

MODELO DE PETIÇÃO INTERPONDO AÇÃO CIVIL PÚBLICA EM FAVOR DE PACIENTE HIPOSUFICIENTE PARA COMPRAR MEDICAMENTOS ONCOLÓGICOS.





EXCELENTÍSSIMO SENHOR DOUTOR JUIZ DE DIREITO DA VARA DA FAZENDA PÚBLICA DE IMPERATRIZ
 







O MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO MARANHÃO, por sua Promotora de Justiça que esta subscreve, com fundamento nos preceitos insertos nos artigos 127 e 129 da Constituição Federal, artigo 25, incisos IV da Lei 8.625, de 12.02.93 (Lei Orgânica Nacional do Ministério Público), Lei nº 7347/85 e art. 15, § 2º e art. 74, I, ambos do Estatuto do Idoso  e demais dispositivos legais aplicados à espécie, vem perante Vossa Excelência propor a presente

             AÇÃO CIVIL PÚBLICA

                    Com pedido de antecipação de tutela



contra o ESTADO DO MARANHAO, pessoa jurídica de direito público interno, por seu representante legal a ser localizado no Palácio Henrique de La Rocque, em São Luís e ainda na sede da Procuradoria do Estado nesta cidade, centro, nesta, e em favor do senhor GILMAR DE OLIVEIRA MONTEIRO, brasileiro, 51 anos, residente na Rua São Francisco, nº 627, Nova Imperatriz, nesta cidade, pelos motivos de fato e de direito a seguir expostos:


                                DOS FATOS

O cidadão acima citado é portador de neoplasia de células claras renais CID 10: C64.9 (CÂNCER RENAL METASTÁTICO), necessitando fazer, COM URGÊNCIA, uso contínuo do medicamento SUNITINIBE (SUTENT 50 mg/dia), conforme relatório médico em anexo, diante do considerável avanço da enfermidade, posto que “evolui com recidiva retroperitoneal importante, além de lesões ósseas importantes em coluna lombar. Resta-nos como última opção terapêutica o uso de SUTENT 50mg/dia por período não inferior a 3 meses.” (relato médico em anexo).

Cuida-se de paciente portador de câncer renal metastático, fase avançada, que já foi submetido a nefrectomia radical em fevereiro de 2007, sendo que o uso de tal fármaco “se baseia em estudo de fase III que comprova sua superioridade em relação aos demais esquemas de tratamento.”

Os especialistas da área revelam que o câncer renal possui resposta muito ruim aos tratamentos quimioterápicos e de radiografia, possuindo um resultado mais satisfatório


Anvisa aprova Sutent para uso em tumor de difícil tratamento
A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) acaba de aprovar Sutent (sunitinibe) para o tratamento de pacientes com tumor estromal gastrointestinal (GIST) metastático. Trata-se de uma doença rara, que geralmente afeta pessoas na faixa etária acima dos 50 anos. Entre os sintomas estão sangramento, dor abdominal e obstrução intestinal, com aparecimento de massas em todo o trato gastrointestinal, muitas vezes de grande tamanho. Esse tipo de tumor dificilmente responde aos tratamentos quimioterápicos tradicionais.

Sutent é um medicamento de uso oral, pertence a uma nova classe de medicamentos, chamada inibidores de tirosina-quinase, e tem dois mecanismos de ação: impede o crescimento de novos vasos sanguíneos que alimentam o tumor e ataca diretamente as células tumorais, evitando sua multiplicação.

Considerado um medicamento inteligente por atingir preferencialmente as células tumorais, Sutent não acarreta os tradicionais efeitos colaterais da quimioterapia.

Sutent foi aprovado em janeiro pela Food and Drug Administration (FDA), agência que regulamenta a venda de medicamentos nos Estados Unidos, para o tratamento do GIST e do câncer renal avançado. Foi a primeira vez que a FDA aprovou um remédio oncológico para duas indicações simultaneamente. No Brasil, a indicação do medicamento para pacientes com câncer de rim avançado está em avaliação pela Anvisa.



Trata-se medicamento de alto custo, não possuindo o paciente condições financeiras de suportar tais gastos.

A idosa em tela vinha recebendo citado fármaco já alguns anos pela Secretaria Municipal de Saúde de Imperatriz, conforme  cópia de recibos em anexo, contudo no corrente ano, diante de nova gestão da Administração Municipal local, houve suspensão do fornecimento sob a alegação de que a dispensação do medicamento não seria de responsabilidade do Município e sim da Secretaria Estadual de Saúde, no famoso jogo de “empurra-empurra”, tão inerente aos atores do Sistema de Saúde em discussão.

Encaminhados ofícios ao Secretário Municipal de Saúde por este Órgão Ministerial, aquele não se dignou em encaminhar qualquer resposta sobre a situação da idosa (doc. anexos).

A Secretaria Estadual de Saúde, por sua vez, inobstante várias tentativas por parte da Senhora Antonia Adalta, igualmente declinou de qualquer responsabilidade quanto ao fornecimento da medicação, informando que esta não se encontrava incluída no rol dos medicamentos excepcionais do Estado.

Diversas tentativas foram adotadas para a solução extrajudicial, restando todas infrutíferas.


DO DIREITO


O direito à saúde constitui-se em fundamental, pela dicção do art. 5º da Constituição Federal. Os princípios que regem seu regramento estão bem elencados nos art. 196 e seguintes da Carta Magna.


O art. 196 da CF reza: “ A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação”.

                                      Comentando o art. 196 da Constituição Federal, Uadi Lammego Bulos (Constituição Federal Anotada, Saraiva, 4ª ed. Pgs 1212), nos revela o seguinte:

                                      “art. 196... Dizer que a saúde é dever do Estado brasileiro, ou seja, da República Federativa do Brasil, não é eximir a responsabilidade dos entes federativos. Em tese, cumpre aos Estados-membros, ao Distrito Federal e aos Municípios primar pela consecução de políticas governamentais úteis à manutenção da saúde integral do indivíduo.

                                     Da mesma forma que os direitos sociais em geral (art. 6º), o direito à saúde reclama para sua efetivação, o cumprimento de prestações positivas e prestações negativas. Pela primeira, os Poderes Públicos devem tomar medidas preventivas ou paliativas ao combate e ao tratamento de doenças. Já pela segunda, incumbe a eles abster-se, deixando de praticar atos obstacularizadores do cabal exercício desse direito fundamental.

                                      Em consonância com os dispositivos constitucionais citados, a Lei Federal nº 8.080/90 dispôs sobre as condições para promoção, proteção e recuperação da saúde, confirmando a obrigação do Poder Público em fornecer medicamentos à população.


                                      O art. 2º do mencionado Diploma Legal, diz:

“Art. 2º A Saúde é um direito fundamental do ser humano, devendo o Estado prover as condições indispensáveis ao seu pleno exercício.”

                                     

                                      Mais adiante, o art. 6º, dispõe:

“Art. 6º Estão incluídos ainda no campo de atuação do Sistema Único de Saúde – SUS:
(...)
I – a execução de ações:
(...)
d)         de assistência terapêutica integral, inclusive farmacêutica.” (destaques nossos).


                                      Nesse sentido, conclusivo é o posicionamento do Min. Celso de Mello, firmando definitivamente posição naquela Corte Suprema, quanto ao dever do Estado (gênero) em fornecer gratuitamente medicamentos àqueles que necessitam:


“(…) Na realidade, o cumprimento do dever político-constitucional, consagrado no art. 196 da Lei Fundamental do Estado, consistente na obrigação de assegurar a todos a proteção à saúde, representa fator que, associado a um imperativo de solidariedade social, impõe-se ao Poder Público, qualquer que seja a dimensão institucional em que atue no plano de nossa organização federativa.
A impostergabilidade da efetivação desse dever constitucional desautoriza o acolhimento do pleito recursal ora deduzido na presente causa.
Tal como pude enfatizar, em decisão por mim proferida no exercício da Presidência do Supremo Tribunal Federal, em contexto assemelhado ao da presente causa (Pet 1.246/SC), entre proteger a inviolabilidade do direito à vida e à saúde, que se qualifica como direito subjetivo inalienável assegurado a todos pela própria Constituição da República (art. 5º, caput e art. 196), ou fazer prevalecer, contra essa prerrogativa fundamental, um interesse financeiro e secundário do Estado, entendo - uma vez configurado esse dilema - que razões de ordem ético-jurídica impõem ao julgador uma só e possível opção: aquela que privilegia o respeito indeclinável à vida e à saúde humanas.(…)”.
(STF, AI-452.312, Rel. Min. Celso de Mello, DJ 31/05/2004).


O Estatuto do Idoso por sua vez é expresso:



Art. 15. É assegurada a atenção integral à saúde do idoso, por intermédio do Sistema Único de Saúde – SUS, garantindo-lhe o acesso universal e igualitário, em conjunto articulado e contínuo das ações e serviços, para a prevenção, promoção, proteção e recuperação da saúde, incluindo a atenção especial às doenças que afetam preferencialmente os idosos.

§ 2º Incumbe ao Poder Público fornecer aos idosos, gratuitamente, medicamentos, especialmente os de uso continuado, assim, como próteses, órteses e outros recursos relativos ao tratamento, habilitação ou reabilitação. (destaques nossos).



Dessa forma, as autoridades de saúde, seja na esfera municipal ou estadual, não poderão se esquivar de suas responsabilidades, de caráter constitucional, devendo pois serem compelidas a garantir prontamente o direito à vida e á saúde da idosa, por meio da dispensação do medicamento prescrito.


                             DA ANTECIPAÇÃO DE TUTELA


        
Faz-se inevitável que em caráter antecipatório, inaudita altera pars, seja determinada aos réus a imediata dispensação do medicamento ANAGRELID (agrylin 0,5 mg/dia), conforme receita médica em anexo.
                                     
                                      No tocante à antecipação de tutela, encontram-se presentes os requisitos indispensáveis à sua concessão, quais sejam, o fumus bonis iuris e o periculum in mora, o primeiro, consubstanciado na presente situação fática e na inquestionável violação ao direito à saúde da idosa em relevo, expressamente consagrado no Texto Maior e demais legislações citadas, consectário lógico do princípio da dignidade da pessoa humana, erigido à categoria de princípio fundamental.
                  
                                      O segundo, o justificado receio de ineficácia do provimento final, cristaliza-se no fato de que a conhecida demora própria da tramitação regular do feito acarretará consequências irreversíveis, com potencial de inúmeros agravos à saúde da paciente, inclusive risco de vida, observando-se especialmente o exame laboratorial em anexo, que bem revela o aumento exacerbado do nível plaquetário, em virtude da interrupção do uso da medicação.


“AGRAVO DE INSTRUMENTO – ANTECIPAÇÃO DE TUTELA INAUDITA ALTERA PARS – FORNECIMENTO DE MEDICAMENTOS – PRESENÇA DOS REQUISITOS AUTORIZADORES – SITUAÇÃO DE RISCO EXCEPCIONAL – LEI N.º 9.313/96.
I  - Em relação à concessão da tutela antecipada inaudita altera pars,  melhor doutrina e jurisprudência posicionam-se pelo cabimento da mesma em situações excepcionais como a presente;
II - O fumus boni iuris e o periculum in mora apresentam-se deforma inconteste no caso em tela. O primeiro configura-se nos documentos acostados aos autos, bem como no fato de o pedido se basear em direito garantido na Constituição Federal de 1988 e em legislação ordinária (Lei n.º 9.313/96). O segundo está caracterizado diante do notório risco de vida que a  enfermidade exposta traz ao seu portador, tornando indispensável o fornecimento dos medicamentos pleiteados;
III - Agravo de Instrumento desprovido”
(TRF 2a Região, AG-87292/RJ, Des. Fed. Valmir Peçanha,4a Turma, Unânime, DJ 07/08/2002).

                                 
                                OS PEDIDOS

Em face do exposto, requer o Ministério Público:

1)            a concessão da tutela antecipada, inaudita altera pars, em desfavor dos réus, determinando que os mesmos providenciem o imediato fornecimento da medicação ANAGRELID, conforme receituário médico, bem como de outros medicamentos necessários ao seu tratamento de TROMBOCITEMIA ESSENCIAL, igualmente receitados por médico especialista, observados protocolos clínicos e diretrizes terapêuticas, em benefício da idosa Antonia Adalta de Mesquita Bastos, até quando esta necessitar;
2)            a citação dos réus para, querendo, apresentar contestação;

3)            seja ao final, confirmada a tutela antecipada concedida, julgando procedente o pedido, condenando-se os réus à DISPENSAÇÃO DO MEDICAMENTO POR TEMPO INDETERMINADO, OU SEJA, ATÉ QUANDO A IDOSA NECESSITAR DOS MEDICAMENTOS RECEITADOS POR MÉDICO ESPECIALISTA PARA O  TRATAMENTO DA ENFERMIDADE EM QUESTÃO, sendo atualmente o fármaco ANAGRELID (agrylin 0,5 mg/dia)  conforme receita médica em anexo, ou outros, por ventura necessários ao tratamento, sob pena de cominação diária de multa ao réu no valor de R$ 1.000,00 (um mil reais), no caso de eventual descumprimento, nos termos do art. 461 do CPC.


Protesta provar o alegado por todos os meios de prova em direito admitidos.

Dá-se à causa valor de R$ 1.000,00, por sua própria natureza.

Nestes termos
Espera deferimento.

Imperatriz, 29 de outubro de 2009.
                              



                                                Alline Matos Pires
                                                               Promotora de Justiça























                       DO PEDIDO DE TUTELA ANTECIPADA

                                      No tocante à antecipação de tutela, encontram-se presentes os requisitos indispensáveis à sua concessão, quais sejam, o fumus bonis iuris e o periculum in mora. Convém ressaltar, desde logo, que, em ação civil pública, o dito instrumento processual rege-se pela dicção do art. 461, §3o do Código de Processo Civil, norma aplicável às ações que tenham por objeto o cumprimento de obrigação de fazer ou não fazer,  in verbis:     

“Art. 461. Na ação que tenha por objeto o cumprimento de obrigação de fazer ou não fazer, o juiz concederá a tutela específica da obrigação ou, se procedente o pedido, determinará providências que assegurem o resultado prático equivalente ao do adimplemento.
§3o. Sendo relevante o fundamento da demanda e havendo justificado receio de ineficácia do provimento final, é lícito ao juiz conceder a tutela liminarmente ou mediante justificação prévia, citado o réu. A medida liminar poderá ser revogada ou modificada, a qualquer tempo, em decisão fundamentada.Grifo Nosso

                                De passagem, frise-se que a Lei n.° 7.347/85, a qual regra a ação civil pública, somente confirma a concessão de liminar pelo julgador, senão vejamos:

“Art. 12. Poderá o juiz conceder mandado liminar, com ou sem justificação prévia, em decisão sujeita a agravo.”
                                             
                                      Com efeito, o relevante fundamento da demanda resta notório, em razão do suporte fático e do sustentáculo constitucional invocado no caso vertente. É dizer, o menoscabo ao cidadão, em seu magno direito à saúde, consubstanciado, tanto no texto da Lei Fundamental, como na demonstrada legislação específica, salta aos olhos.

                                      A ausência de medicação específica aos portadores de Glaucoma não deixa nenhuma dúvida quanto ao desprezo do nupercitado direito. A salvaguarda da saúde é dever expressamente atribuído ao Estado e, toda vez que desatendida, conforme ocorre in casu, mister se recorrer dessas vias, a fim de que se realizem os mandamentos tão bem tecidos pelo legislador originário. 

                                      De outra parte, o justificado receio de ineficácia do provimento final cristaliza-se no fato de que a conhecida demora por que passam os feitos no Poder Judiciário, acarretará conseqüência totalmente irreversível e irreparável aos pacientes, isto é, a perdão de visão por deterioração do nervo óptico. Esperar-se até que se alcance a prestação jurisdicional última (sentença), significa deixar em completo desamparo essas pessoas que pugnam, mais do que nunca, pela tutela estatal e, portanto, por efetividade jurídico-processual.         

                                      Urge destacar que a jurisprudência pátria vem dando seu beneplácito à concessão de tutela inaudita altera pars, ao enfrentar situações de extrema relevância como a presente, onde se encontra em jogo o valor saúde, in verbis:             

“AGRAVO DE INSTRUMENTO – ANTECIPAÇÃO DE TUTELA INAUDITA ALTERA PARS – FORNECIMENTO DE MEDICAMENTOS – PRESENÇA DOS REQUISITOS AUTORIZADORES – SITUAÇÃO DE RISCO EXCEPCIONAL – LEI N.º 9.313/96.
I  - Em relação à concessão da tutela antecipada inaudita altera pars,  melhor doutrina e jurisprudência posicionam-se pelo cabimento da mesma em situações excepcionais como a presente;
II - O fumus boni iuris e o periculum in mora apresentam-se deforma inconteste no caso em tela. O primeiro configura-se nos documentos acostados aos autos, bem como no fato de o pedido se basear em direito garantido na Constituição Federal de 1988 e em legislação ordinária (Lei n.º 9.313/96). O segundo está caracterizado diante do notório risco de vida que a  enfermidade exposta traz ao seu portador, tornando indispensável o fornecimento dos medicamentos pleiteados;
III - Agravo de Instrumento desprovido”
(TRF 2a Região, AG-87292/RJ, Des. Fed. Valmir Peçanha,4a Turma, Unânime, DJ 07/08/2002).


EMENTA: AGRAVO DE INSTRUMENTO - AÇÃO CIVIL PÚBLICA – LEGITIMIDADE DO MINISTÉRIO PÚBLICO PARA A DEFESA DOS INTERESSES INDIVIDUAIS RELATIVOS À INFÂNCIA E ADOLESCÊNCIA – INTELIGÊNCIA DO ART. 201, V, DA LEI 8.069/90 – MEDICAMENTO NECESSÁRIO AO TRATAMENTO DE MENOR – RISCO DE DANO IRREPARÁVEL – CONCESSÃO DE LIMINAR SEM A PRÉVIA MANIFESTAÇÃO DO PODER PÚBLICO – POSSIBILIDADE – DEVER DO ESTADO DE GARANTIR A SAÚDE E A VIDA DOS INDIVÍDUOS – RECURSO NÃO PROVIDO – DECISÂO UNÂNIME.
-É possível a concessão de medida liminar inaudita altera parte em face do poder público, nos casos em que houver o risco iminente de grave lesão à saúde.
- A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios são solidariamente responsáveis pela saúde pública, sendo perfeitamente possível exigir-se do Estado do Paraná a concessão de medicamentos aos cidadãos necessitados.
- Por se tratar de dever do Estado, o tratamento de paciente carente não caracteriza lesão aos cofres públicos.
(TJPR, AI – 143371000, Rel. Dês. Antônio Lopes de Noronha, 2ª Câmara Cível, Unânime, DJ 18/02/2004).

                               Lamentavelmente, é de observar que há pessoas que  já se encontram perdendo a visão, conforme consta dos documentos acostados, mercê da inexistência do medicamento nas Farmácias do Estado, o que robustece, ainda mais, o suporte jurídico ensejador da antecipação de tutela.

                               Juntamente com o que se expõe, encontram-se presentes estudos relativos ao impacto da doença e a urgente necessidade de seu controle, somente confirmando o que ora se confecciona.  
                                     
                                      Posto isso, requer o MINISTÉRIO PÚBLICO DE PERNAMBUCO, com fulcro no art. 461, §3o do CPC, arts. 11 e 12 da Lei 7.347/85, arts. 196 e 198 da CF, arts. 2o e 6o da Lei 8.080/90 e Portaria 3.916/98 do Ministério da Saúde: 

a)                  A concessão da antecipação da tutela determinando-se o Estado de Pernambuco a FORNECER os medicamentos XALATAN, XALACON, TRAVATAN e LUMIGAN aos pacientes na forma e apresentação prescritas por médico, nos estabelecimentos públicos estaduais de dispensação de medicamentos.

b)                  Que seja fixada multa cominatória de R$1.000,00 (um mil reais) diária em caso de descumprimento da medida, que com certeza, será concedida, cujos valores deverão ser revertidos ao Fundo Municipal de Saúde.
                  
DO PEDIDO

                                      Por todo o exposto, requer o Ministério Público de Pernambuco, seja o Estado de Pernambuco condenado à prestação continuada de fornecimento gratuito dos medicamentos XALATAN, XALACON, TRAVATAN e LUMIGAN nos estabelecimentos públicos estaduais de dispensação de medicamentos.

                                      Requer, recebida a presente, seja o Estado de Pernambuco citado na pessoa de seu representante legal para, querendo, contestar a presente ação civil pública.

                                      Protesta por todos os meios de prova em direito admitidos.

                                      Dá-se à causa o valor de R$1.000,00 (um mil reais)

                                      Pede deferimento.

                                      Recife,  30 de junho  de 2004.




         GERALDO DOS ANJOS NETTO DE MENDONÇA JÚNIOR
Promotor de Justiça